sexta-feira, 8 de outubro de 2010

As crônicas de ninguém, volume 4

Nosso ciclo se completa com o texto da .má oliveira. Foi uma experiência prazerosa. Semana que vem, faço um balanço de tudo, e provavelmente minha versão da história. Vamos ao volume 4:
Menos um tijolo na parede

por .má oliveira

- comece de novo.

- mas por quê? pra mim estava tudo certo!

- não, é melhor recomeçar, você deu uma vacilada logo no início.

- certo, tudo bem, você é quem manda. mas eu não percebi nenhuma vacilada.

- olhe para o centro. você não começou pelo centro.

- mas por que o centro? por que as pessoas perseguem tanto o centro?

- porque é lá que você vê o todo.

- e se lá não for onde eu quero estar? e se eu me sentir melhor à esquerda?

- ora, se você está aqui, é porque quer o centro.

- tudo bem, professor. você tem uma gravata bonita, sua caneta brilha ao longe. tem cara de quem come panquecas no café da manhã. o senhor parece realmente ser um cara legal. nunca repete o sapato e seu humor é quase mecânico. mas aí o senhor senta aí nessa cadeira e vomita suas verdades. e elas são incontestáveis, professor, sabe por quê? porque o senhor está atrás desta mesa com esta gravata cinza apontando o brilho da sua caneta pra mim. o senhor exibe seus novos sapatos diários e tem cara de quem sorri feliz porque comeu panquecas de manhã. o senhor é bem-sucedido, o que supõe que eu tenha que ouvir todas as suas merdas e acreditar. por que, professor?! eu lhe digo o porquê! porque eu sou só um filho da puta, professor. um cara fodido tentando mudar alguma coisa no mundo. um idiota romântico que acha que cumpre seu papel buscando a igualdade. então o senhor me pergunta: que diabos você está fazendo aqui, afinal?" eu te digo, caro professor. eu estou aqui tentando mudar toda esta sujeira que está escrita nos livros que você usa pra nos ensinar. eu estou aqui tentando limpar toda a merda que o senhor e os seus iguais fizeram no mundo, professor. eu estou aqui porque o senhor é meu inimigo e eu preciso vencê-lo revolucionando o seu pensamento. eu estou aqui porque sou um ser humano.

um constrangimento vermelho na face do professor.

um auto-orgulho no sorriso juvenil do aluno mudo que conseguiu falar.

uma sala em transe.

o sino tocou e todos acordaram.

era um novo mundo!

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

As crônicas de ninguém, volume 3

Chegamos ao terceiro texto das "Crônicas de ninguém", desta vez escrita pela companheira Lorena Cicari. Aliás, foi ela quem sugeriu o nome desta série. Segue:
Quantas ondas pra se afogar?

Por Lorena Cicari

- Comece de novo.

- Mas por quê? Pra mim estava tudo certo!

- Não, é melhor recomeçar, você deu uma vacilada logo no início.

- Certo, tudo bem, você é quem manda. Mas eu não percebi nenhuma vacilada.

- Você nunca percebe, né? Nunca presta atenção no que eu falo. Vai... de novo.

- Agora eu não quero tentar de novo. Você sempre tentar entender a coisa certa a se fazer.

- Claro. Não é assim que as coisas devem ser?

- Não. Não devem ser assim não. Nem sempre você tem de ter certeza do que está fazendo, oras...

- Mas se eu não tiver certeza, como posso saber o que vai acontecer?

- Mas para quê saber? A gente já sabe de tanta coisa. Imagina como seriam os nossos dias se a gente não soubesse que depois que o sol vai embora ele volta.

- Uai. A gente ficaria com medo, não?

- Medo? Não, expectativa. A gente criaria, inventaria...

- Mas... foi assim mesmo que fizeram Deus e escreveram a Bíblia.

- E dai? Olha só? Mitos duram muito mais do que verdades. As pessoas se esquecem da verdade. Elas enjoam da verdade. A verdade vira rotina.

- Rotina é bom. É bom saber que o sol vai embora, mas volta.

- Por que é bom saber disso? Segurança demais.

- Como você quer se programar se não sabe o que vai acontecer antes disso? Não pode dar chance ao acaso.

- Ah! Eu não me interesso muito em saber no que vão dar as coisas. Gosto de imaginar como devem ser, e o que podem ser... O melhor é saber que algo pode mudar, mesmo que não mude. Mesmo que seja do mesmo jeito que sempre foi. Pra isso eu tenho a cuca...

- Mas só de imaginação não dá para viver.

- Como você sabe? Alguém já morreu de imaginação ou você imaginou que não dá para viver imaginando as coisas?!

- Não tente me confundir. O melhor é saber o que virá depois do movimento.

- Então por que você gosta tanto de vir aqui jogar pedrinhas no rio? Só para ter certeza de que tudo sairá do mesmo jeito? É só por isso, meu pequeno... Amelie?

E foi isso. Isso foi tudo. Ele me levou para jogar pedras no rio, disse que eu não sabia fazer direito. Que eu nunca fazia estas coisas direito. Era só jogar as pedras, que ele tinha escolhido, no rio. Simples assim. Não havia o que inventar.

-Ah! para com isso. Joga, e veremos quem consegue mais “anéis”, minha cabecinha dura.