sexta-feira, 25 de junho de 2010

E o cavalo não 'flosofa' mais...


Dos meus colegas marmiteiros eu sou provavelmente o menos qualificado para falar de futebol. Admito que a cada ano que passa é um esporte que me emociona menos. Mas pra não incidir em uma tal heresia em uma época que só se fala disso não vou tecer muitas considerações acerca do esporte erroneamente alcunhado de bretão. Erroneamente porque as origens remotas do futebol não têm nada da afetação aristocrática inglesa. Em verdade os ingleses criaram as regras do futebol moderno, mas na antiga China um esporte parecido já era praticado como treino militar. Também usavam somente os pés e existiam duas traves como meta. A diferença é que ao invés de bola chutavam cabeças de inimigos derrotados. Violência é algo inerente ao futebol, pensar o contrário é esquecer a catarse necessária que o esporte representa em nome de um cinismo disfarçado de predileção ao tal "futebol arte". Até acho o Rugby um esporte mais trágico que o futebol. Trágico aqui num sentido próximo ao que os gregos conferiam ao termo. Há um conflito inerente ao Rugby. É mais atávico que o futebol porque nele a violência não só é permitida como incentivada, mas é mais progressista que o futebol pois permite o uso do polegar opositor, essa maravilha que a mamãe natureza demorou milhões de anos para nos dar. Poooooiiiissss bem. Não é pra contar essas piadas infames que estou aqui. Na verdade é pra falar de algo mais infame ainda. A falta de maturidade existencial no discurso campeão da nossa seleção. Imaturidade que fica clara na forma que Dunga dispersa frases prontas de um autor de auto-ajuda, Augusto Cury. Um palavriado vazio e bobo, que assim como orações de quermesse só motivam ou confortam os fracos e os incapazes. É besteira do nível de: 'trate a todos como protagonistas no teatro da vida', ou o 'destino é uma questão de escolha'. Ainda que isso só reafirme minha posição de que pessoas envolvidas com futebol deveriam, por uma questão de dignidade, se omitir de dar entrevistas, já que é honroso evitar provocar tamanha vergonha alheia, há algo mais podre nisso tudo. Primeiro porque Dunga abandona o seu costumeiro e arredio discurso sobre esforço, resultado, superação e blablablas, pra disparar esse mingau azedo com pitadas de exoterismo psiquiátrico barato. E, segundo, porque isso cola! Não que o Cury vá vender mais livros por conta disso ou algo assim. O problema é que se o Brasil vence a Copa essa 'filosofia' de comadres velhas será vista como a chave que faltava para destrancar a rebimboca da parafuseta de nossa ordem e progresso. E dá-lhe mais cinismo e mais bunda molismo numa país que decididamente já tem mais do que o suficiente disso. Não se trata aqui de superestimar os ecos do que Dunga diz ou faz. Não é segredo que o povo brasileiro projeta em seu futebol suas melhores qualidades, e pretende ver nesse futebol um espelho ampliado de suas potencialidades, ainda que seja ele, o povo brasileiro, que tenha que se adaptar à imagem do espelho, e não o contrário. Claro que ainda resistem resquícios do velho Dunga, rabugento e mau humorado, bagual, chucro, que não acha que o destino é mera escolha, mas uma construção azeitada com suor e raça. Confesso que preferia esse Dunga cavalão, sério e carrancudo. Tinha ali uma quase sapiência, como a do cavalo que 'flosofava' do Guimarães Rosa, e que não perdia seu tempo com relinches de auto-ajuda, que mais que nossa insegurança, revelam nossa imaturidade.

sábado, 19 de junho de 2010

Puta excesso de sacanagem

*Escrito por .má oliveira e Lorena Cicari.

Nem toda beleza é visível apenas nessa camada externa que todos veem com tanta facilidade. Existem os belos homens que são simplesmente homens belos; mas existem outros homens que são capazes de mexer com algum sentimento tão desmedido em nós, que não nos vemos sem eles, sem seus olhos, suas mãos, suas personagens, vozes e palavras. Homens que nos deram tanto e, por força do silêncio, nada nunca pediram, mas aos quais daríamos tudo o que pudéssemos. Homens que nos fazem crer que somos muito mais do que forma, somos conteúdo. Somos o vinho que é uma benção, não por ser vinho, mas por ser o que liberta quem o bebe, que, vagarosamente, pode saborear, como uma dádiva à mente, da escolha, da criação da imaginação. Belezas não óbvias - que para nós são até óbvias demais - pra se encaixarem só no conceito comum de beleza. O além. O mistério belo e incerto do mesmo belo. Enxergar estas entrelinhas da própria beleza, contemplar o significado que só os olhos formados pela cultura atual não conseguem distinguir, forçar este exercício é conviver com a arte da realidade criada por si mesmo. Viver a liberdade de estabelecer os próprios conceitos .

Johnny Depp




















Benicio Del Toro




















Sean Penn


















Heath Ledger



















Brad Pitt


















Rodrigo Santoro















Javier Bardem

Chico Buarque













Edward Norton



















Robert de Niro




















Andy Garcia

















Al Pacino



















Mike Patton


















quinta-feira, 17 de junho de 2010

"Seja no que despertou..."

Cá estou, perdida no tempo. Tempo certo, o melhor da vida, dizem. A hora exata para eu poder Ser, para eu me fazer... Refazer-se?! Não há tempo, dizem.

Ele disse que não existe sem ela (ou ele), eu sim. Não me vejo mais, não sei de qual delas (de mim) escreve agora. Será a que tu amas, ou será a que tu odeias?! Dói, corrói teu peito saber que eu posso sair, naquele dia em que me preparou uma surpresa, e não voltar jamais. Nunca mais. Nunca. Nunca. De tanto ardor, nunca mais existir. Acabar para existir. Acho que alguém cantou algo assim. Deixar de ser para se tornar. Tornar algo para nunca mais ter de ser nada. Nada! Sempre o nada. Ser nada. Fazer nada. Prometer nada. Ter nada... Tudo. Todo..o nada. Disseram que só uma existência pode ser completa e ter fim e começo e meio em si mesma, o Nada. O nada em si é a única forma de ser total. À procura de ser completo é a busca por nada, nada ser.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

O abutre e a esposa morta


Ele jogava as chaves para o alto e pegava no ar evitando olhar pra elas. Cantarolava mentalmente uma canção no ritmo monótono do bater das chaves, um 4x4 perfeitamente duro e chato. Seus olhos, fugindo das chaves, percorriam o quarto e o corpo nu à sua frente. Mesmo azulada ela continuava linda.Desejava-a nesse momento como da primeira vez que a viu, e mesmo com os buracos de bala molhando de sangue a cama desarrumada ela continuava sendo a mulher de sua vida, tudo o que sempre quis. Tentava se concentrar nas lembranças. Da primeira vez que conversaram, de cozinhar pra ela, trocar pneu na chuva. Lembrava da primeira noite de sexo, da falta de jeito misturada com um tesão louco, uma vontade de canibalizar aquele corpo, de fazê-lo em pedaços com os dentes e unhas, enquanto gozava gritando, alto, salivar, blasfêmo. Amava os cabelos dela, e a forma que desenhavam os ombros, amava seu pescoço e suas pernas, seu púbis e todos os segredos que enxergava naquele corpo e que recitava sorrindo freneticamente ao se masturbar no chuveiro. Quando se casaram ela estava mais linda que nunca, e tudo nela convidava ao crime e ao abuso e tudo depois daquele dia manteve aquele cheiro e aquela cor, algo meio pecaminoso, como uma planta carnívora ou o dorso nu do deus morto na cruz. Seis anos depois seu desejo por ela estava cada vez maior, como um vício mórbido, inconfessável, cultivado no morno do cobertor, nos cantos de parede. Ficava ao seu lado, olhando seu dorso de mover durante o sono, vi-a no escuro absoluto, com olhos griz de abutre. No sétimo aniversário foram a um motel. Fizeram aquele amor canibal da primeira vez. Gozou na barriga dela enquanto ela sorria de olhos fechados. Ela virou de bruços, limpando a porra no lençol e se aninhando para dormir. Ele tomou um banho e se vestiu, abriu a pasta e pegou a arma, comprada na praça sete por 150 reais. Dois tiros nas costas, ela não gemeu nem abriu os olhos. Morta. Agora era esperar o desejo ir embora com o sangue escorrendo, e com o tilintar monótono das chaves na palma da mão.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Arco-íris

Ela vinha caminhando com seus passos refletidos na areia úmida que há pouco recebia o improviso das ondas do mar. Assim como a onda, ela se mostrava passageira.

Ela vinha caminhando num balanço cambaleante e despretensioso, cabelos jogados. Parecia dançar ofuscando o brilho do sol.
Trazia junto a ela um dia nublado, cinza. Um tempo diferente e o colorido só existia na fita amarrada em seu pulso nas cores de um arco-íris.

Ela vinha sorrindo para o horizonte e esclarecia a quem a visse sua incerteza e despreocupação quanto ao destino.
Sua doce perfeição.

Enquanto vinha, sem deixar de caminhar, olhou e sorriu me dizendo: - vem comigo?
No olhar trazia uma mensagem: ela foi a lugares que nunca estive.

Como eu poderia acompanhá-la? Diante da liberdade que ela inocentemente me obrigava a ver mesmo não dizendo com palavras. Liberdade que mostrou-me ser possível. Diante da possibilidade que eu não suportava do poder de escolha. Ah, a pressão da escolha!
Como eu poderia? Diante de todos os meus medos, meus preconceitos, minha mesquinharia. Minha covardia!

Ela sumiu na escuridão de uma chuva que se anunciava. Distante eu só via... a fita, as cores do arco-íris.
Maldito arco-íris!