sexta-feira, 24 de julho de 2009

E se eu fosse "Beatriz"...

“Minha casa é vazia, mas as vozes nunca se calam. Eu os ouço sempre, tão alegres. A vida deles é tão calma, que me inveja a bonança da noite.”

“Se eu pudesse apenas entrar na sua vida, jamais o faria: merecemos mais. Se eu pudesse ser feliz, eu seria. Se eu pudesse fazê-lo feliz, talvez eu hesitasse.”

Na porta dela, agora, alguém bate a cobrar. Cobra emoções, cobra carícias. Os olhos dela mareados não vêem nada mais: o mundo é uma onda, e sua vida um naufrágio... Mas as vozes, as vozes sempre surgem, a casa toda tão alegre.

Seus pés tocam o chão, está tão frio. Seu coração pulsando em descompasso com a música que ela dança... A música é serena, a voz do cantor tão sofrida.

Os olhos dela estão fechados, e ela pensa em alguém. Força um sentimento: tem medo de ser feliz como em casa, como sozinha.

Acaricia a tatuagem que fez, e que hoje odeia. Toca os cabelos, e dá uma volta dançante em si mesma... As luzes se apagaram, a platéia está muda e ela concentrada...

Hoje ela resolveu não abrir a porta, a dor do apego não entrará, e ela não sofrerá... amargura que seja. A peça dela, hoje, será uma comédia... um monólogo.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Os sons do silêncio...


Terça-feira da semana passada eu fiz uma viagem de ônibus. Dessas viagens rapidinhas, que duram só 14, 15 horas. Pra evitar o tédio geralmente eu durmo nessas viagens. Mas estava um tanto ansioso pra chegar e conciliar o sono foi impossível. Então, meu bom e não tão velho iPod salvou minha sanidade mais uma vez. Entre minhas maluquices e esquizofrenias musicais está um gosto que, para muitos deve parecer inconciliável, por canções folk e por heavy metal. Mais da metade dos gigas do aparelhinho são ocupados com esses estilos de música. Bom, coloquei o Dead Heart in a Dead World do Nevermore pra tocar. Um disco simplesmente sublime, grandes letras, bem tocado, bem cantado. Niilista ao extremo. Mas alguma coisa me chamou particularmente a atenção nessa audição. A letra de The Sound of Silence. Sim, é um cover da canção de Simon e Garfunkel composta em 1964. Obviamente já conhecia a canção, o maior sucesso da dupla, composta após o assassinato de John Kennedy, em novembro de 1963. Depois de ouvir a versão do Nevermore algumas vezes, saí procurando no iPod a versão original. Sim, tenho ela também no iPod. E mesmo sabendo que isso fode a bateria do aparelhinho fiquei repetindo a música um tempão.


Só posso dizer que pela primeira vez eu entendi o sentido total daquela letra, com toda força que ela tem, se é que é possível realmente entender algo em sua plenitude. Escrita para representar o choque de uma nação diante de um crime bárbaro ela se tornou um hino existencial, diante da estupefação, do incompreensível, do absurdo. O silêncio é sempre, em última instância, aquilo que nos cerca. Não há o que se discutir, o único absoluto e inarredável é o silêncio e nada mais estupefaciante do que essa consciência. A náusea nasce da consciência desse absurdo, desse silêncio opressor, violento, que nos preenche mais do que o mais potente dos sons. Não é na quantidade de decibéis que se mede a intensidade de algo, é justamente na ausência deles, em que sua presença colossal se fixa ali, nos nossos olhos, na nossa mente.


É na noite escura, que não responde a nenhuma pergunta, a nenhum viver, que repousa a resposta última, da liberdade plena e assustadora que reside ali, no silêncio, no absurdo, onde toda representação se extingue, onde toda racionalidade falha. Ouvi a canção como se visse um mundo em câmera lenta passando na minha frente, como se eu fosse a bala em direção à cabeça de JFK, tudo passava devagar demais, lento e inexorável demais.


Numa viagem que, por muitos motivos, mudou minha vida, essa canção em especial, tantas vezes ouvida antes, mudou também minha forma de ver e perceber o mundo. Difícil explicar isso para um mundo que acostumou a tratar a música e a arte em geral somente como forma de entretenimento, mas mudou. De forma violenta, até.


Tirei os fones do ouvido e fui olhando a estrada lá fora. Começava a amanhecer, e os solavancos do ônibus já despertavam alguns passageiros. Eu não cabia mais em mim, mas ninguém perceberia isso. Assim como aquela estrela que não está mais lá, mas não nos deixa perceber isso. Desci do ônibus coçando os olhos, a despeito de todo cuidado com a gripe A. Os reencontros de rodoviária, o cheiro de pastel de ontem, os mundos que se faziam e se desfaziam todo dia me pareceram incrivelmente iguais, incrivelmente pequenos e sem sentido, vazios e agridoces como orvalhos esquecidos. Pequenos demais perto do som do silêncio.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Virgínia.

Atentamente observava o salão, repleto de pessoas de movimentos suaves e sorrisos ariscos. Virgínia tentava novamente compor sua canção, imaginando-a a cada passo calmo pela festa que ela, na verdade, não participava nem entendia. Se foi capaz de cumprimentar alguém, pouco levava isso em consideração. Nem sequer percebia que estava sendo observada. Virgínia era a louca, a compulsiva, a infeliz e amargurada que já tentara se matar algumas vezes, a suicida fracassada. E assim, exatamente assim, os olhares de seus convidados a diziam sem que ela percebesse. O desespero, a angústia, a falta de si própria levou-a até a janela, de onde podia contemplar o outono de um entardecer suave, avistando o sono profundo da natureza que ela sentia uma necessidade inteiramente mortal de tocar. Sorriu... Sorriu de medo e em direção ao tempo lá fora. O fitou com toda força que fora capaz de arrancar de dentro de si. Virgínia segurava o copo vazio cautelosamente com a convicção de que ele guardava um momento. Era nele um instante de algo que ela procurava, ressentia, duvidava. Talvez devesse chorar suas lágrimas em seu interior para dar a ele algum significado. Virgínia era o copo. Virgínia era música que vinha do vazio de um insignificante copo. Enquanto alguém iniciava um discurso emocionado, Virgínia distraída consigo mesma dedilhava seu piano. Violentou de dentro de sua alma sua mais profunda tristeza, fechou os olhos sentindo toda sua dor, e sob olhares repulsivos dos que a julgavam insensível por não perceber a homenagem, tornou-se música. A música mais bela e profana. Havia nela um pouco de sombra. Uma sombra que Virgínia não quis fotografar novamente para retirá-la. Ela se queria sombria e imperfeita. Uma sombra necessária. Sombra perdida naquele recanto de uma vida que deveria ser feliz e ideal. Há tantos anos diagnosticada como esquizofrênica, dopada por drogas que desconhecia e diziam precisar; pela última vez em tanto tempo, Virgínia se emocionou com seu auto-abandono. Deitou-se no sofá tragando o último cigarro de sua vida, encheu o copo do que queria ter sido a vida inteira e sabia: jamais seria feliz por ser uma eterna insatisfeita. Envenenou-se no mesmo copo vazio de antes e sentiu-se leve. Aquela hora era tranquila e Virgínia não queria pensar em sua vida toda que nunca dera motivos para perder tanto tempo. Pensou em sua última canção. Uma canção de amor à sua inexistência. E segundos antes de morrer, lembrou-se: - era seu aniversário...

domingo, 12 de julho de 2009

Caminhando pelas ruas do ciberespaço

Uma palestra ontem me abriu os olhos para algo que eu ainda não enxergava: o brasileiro é extremamente disciplinado no que se trata de conhecer novas tecnologias e novidades na rede, mas produzimos pouquíssimo conteúdo. Somos um retrovisor, um termômetro das inovações pelo mundo. O que falta para nós? Coragem? Empreendedorismo? Incentivo? Talvez ainda não tenhamos enxergado que o mundo não é mais - e nunca será - o mesmo. A evolução/revolução será constante, e talvez este seu emprego com carteira assinada, caro leitor, não exista mais daqui a alguns anos. Nunca o conceito do "do it yourself" foi tão forte e tão significativo. Fronteiras, muralhas e limites estão se extinguindo, saiba. Este blog, por exemplo, é feito por quatro pessoas que moram a quilômetros de distância uma das outras. Enquanto você lê estas mal traçadas linhas (clichê, hein?), dezenas (ou centenas, ou milhares) de outros blogs estão sendo criados, com conteúdo interessante. Você já criou o seu? O palestrante de ontem, Gil Giardelli, citou dois exemplos bacanas: um é o site Enjoei, no qual alguém com muito senso percebeu que existem pessoas que enjoam dos seus pertences e querem se desfazer deles. Mediante uma comissão, estas pessoas anunciam seus produtos no site e podem encontrar alguém que os queira. Outro exemplo foi o Coletivu, local para reunir grupos que possuam uma rota em comum e organizem caronas para seus trajetos. Interessante, não? E você, tem alguma ideia inovadora que possa revolucionar o mundo da internet? Que tal compartilhar conosco? Para terminar, uma frase proferida na palestra de ontem: "O ciberespaço é uma cidade onde as ruas não tem nome". Que tal colocar o seu em uma delas?

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Lorena na Mojo

Mais uma colega estréia seu Mojo Single. Desta vez é a caçula do blog, Lorena Cicari, que escreveu seu conto baseado em "Copo Vazio" do Chico Buarque de Hollanda. O resultado você confere clicando aqui.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

"Pois quem tiver nada pra perder, vai formar comigo um imenso cordão"

Agora que estou às portas da morte, questiono-me sobre o porquê das pessoas contarem os segredos ou revelar verdades quando estão para morrer. Sabe, tenho uma doença que médico algum diagnostica, que benzedeira alguma cura (sim, odeio coisa relaciona a este tipo de crença, mas estou muito fraco para impor minha vontade), que reza alguma funcione. Passei minha vida toda guardando alguns segredos, não por serem importantes ou reveladores, mas você já percebeu o quanto é difícil manter algo secreto? É como se as pessoas conseguissem ‘sentir’ (falando assim, parece que me refiro a um cachorro... mas, pensando bem, as pessoas são como cães farejando motivos para ferrarem com tudo) quando algo está tampado pelo véu casto dos segredos. E sempre tentam macular tão jóia, tais mistérios. Por que o ser humano gosta tanto de acabar com o que nos aguça a curiosidade, de desvendar tudo? Os mais descrentes me parecem tão desesperados para crer em qualquer coisa que crêem ser possível obter verdades sobre tudo. Coitados.

Mas voltando ao ponto, por que revelar os segredos quando estamos para morrer? Uma coisa que nos sacrifica tanto para manter, sendo entregue tão facilmente, simplesmente porque se não contarmos os ‘mistérios’ morrerão conosco. Mas, não é exatamente está a idéia? Que os segredos morram conosco? (ah! Vai entender essa mente humana). Ou será que precisamos provar, depois de sabe-se lá quantas cobranças pagas, que amamos alguém, e para isto temos de entregar até o nosso último e secreto desejo... ou mentira.

Fui casado por muitos anos, muitos anos mesmo. Uma vida (como se eu tivesse tido outra, como se fosse possível outra... Talvez para quem perca a memória sim, mas não é o meu caso). Sempre fui honesto, mas comigo mesmo. Oras, por que ser honesto comigo é indigno? Não me via obrigado a dançar a música da minha esposa, só porque ela queria que eu partilhasse tudo com ela. Nunca partilhei tudo com ninguém. O máximo que eu dividia era o meu nada, o que já era muito, porque se você for pensar bem, o nada é muito mais do que qualquer outra coisa. É a forma mais rápida de manter secreto um segredo (isso foi um trocadilho sem graça? Desculpe-me, oquei, estou para morrer. Talvez meu senso de humor não funcione tão bem como outrora - Oh palavrinha feia... não gosto).

Certa noite, cansado como nunca estive, acordei e vi à cabeceira de cama minha mulher, prostrada, um padre e minha mãe: era hora da extrema unção (sempre achei que se escrevesse ‘extremunção’. Erro grosseiro, não é mesmo?). O padre veio, fez todo aquele teatro, livrou minha alma sabe-se lá do quê, para ir para sei lá onde, enfim, aquele ritual de partida fora feito. Minha mãe acompanhou o padre até a rua, e minha mulher postou-se ao meu lado, passando as mãos em minha cabeça. Acariciava meus poucos cabelos e minha testa, talvez ela pensasse “vá, morra logo. Livrai-me disso tudo.”, mas nunca disse. Minha respiração foi ficando cada vez mais lenta, meus olhos com a expressão caída (como outras partes do meu corpo, se é que me entende), minha hora estava chegando, ou era a hora da morte trabalhar? Tanto faz. Minha mulher olhava-me com uma cara estranha, como se me perguntasse algo. Não consegui compreender. Depois de muito silêncio e um olhar esquisito, ela me disse: “não tens nada a me dizer? Nada que queira revelar? Ou algum segredo que precise que eu saiba?” Olhei para ela, fiz uma força descomunal, pois estava muito fraco, e respondi que não. Depois morri. E por hora não sei onde estou. Pois bem, acredite nisso. Ou você achou que eu fosse revelar esta ‘verdade’, este ‘segredo’?