quarta-feira, 22 de julho de 2009

Os sons do silêncio...


Terça-feira da semana passada eu fiz uma viagem de ônibus. Dessas viagens rapidinhas, que duram só 14, 15 horas. Pra evitar o tédio geralmente eu durmo nessas viagens. Mas estava um tanto ansioso pra chegar e conciliar o sono foi impossível. Então, meu bom e não tão velho iPod salvou minha sanidade mais uma vez. Entre minhas maluquices e esquizofrenias musicais está um gosto que, para muitos deve parecer inconciliável, por canções folk e por heavy metal. Mais da metade dos gigas do aparelhinho são ocupados com esses estilos de música. Bom, coloquei o Dead Heart in a Dead World do Nevermore pra tocar. Um disco simplesmente sublime, grandes letras, bem tocado, bem cantado. Niilista ao extremo. Mas alguma coisa me chamou particularmente a atenção nessa audição. A letra de The Sound of Silence. Sim, é um cover da canção de Simon e Garfunkel composta em 1964. Obviamente já conhecia a canção, o maior sucesso da dupla, composta após o assassinato de John Kennedy, em novembro de 1963. Depois de ouvir a versão do Nevermore algumas vezes, saí procurando no iPod a versão original. Sim, tenho ela também no iPod. E mesmo sabendo que isso fode a bateria do aparelhinho fiquei repetindo a música um tempão.


Só posso dizer que pela primeira vez eu entendi o sentido total daquela letra, com toda força que ela tem, se é que é possível realmente entender algo em sua plenitude. Escrita para representar o choque de uma nação diante de um crime bárbaro ela se tornou um hino existencial, diante da estupefação, do incompreensível, do absurdo. O silêncio é sempre, em última instância, aquilo que nos cerca. Não há o que se discutir, o único absoluto e inarredável é o silêncio e nada mais estupefaciante do que essa consciência. A náusea nasce da consciência desse absurdo, desse silêncio opressor, violento, que nos preenche mais do que o mais potente dos sons. Não é na quantidade de decibéis que se mede a intensidade de algo, é justamente na ausência deles, em que sua presença colossal se fixa ali, nos nossos olhos, na nossa mente.


É na noite escura, que não responde a nenhuma pergunta, a nenhum viver, que repousa a resposta última, da liberdade plena e assustadora que reside ali, no silêncio, no absurdo, onde toda representação se extingue, onde toda racionalidade falha. Ouvi a canção como se visse um mundo em câmera lenta passando na minha frente, como se eu fosse a bala em direção à cabeça de JFK, tudo passava devagar demais, lento e inexorável demais.


Numa viagem que, por muitos motivos, mudou minha vida, essa canção em especial, tantas vezes ouvida antes, mudou também minha forma de ver e perceber o mundo. Difícil explicar isso para um mundo que acostumou a tratar a música e a arte em geral somente como forma de entretenimento, mas mudou. De forma violenta, até.


Tirei os fones do ouvido e fui olhando a estrada lá fora. Começava a amanhecer, e os solavancos do ônibus já despertavam alguns passageiros. Eu não cabia mais em mim, mas ninguém perceberia isso. Assim como aquela estrela que não está mais lá, mas não nos deixa perceber isso. Desci do ônibus coçando os olhos, a despeito de todo cuidado com a gripe A. Os reencontros de rodoviária, o cheiro de pastel de ontem, os mundos que se faziam e se desfaziam todo dia me pareceram incrivelmente iguais, incrivelmente pequenos e sem sentido, vazios e agridoces como orvalhos esquecidos. Pequenos demais perto do som do silêncio.

6 comentários:

  1. Eu ia lhe chamar... mas não faço nadaaa.

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  2. Rsrsrs, não resisti.

    Que essas mudanças sejam cada vez maiores. Bons ventos...

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  3. Tentei colocar um player com "The sounds of silence" neste teu post, mas não consegui. Sigo tentando.

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  4. O silêncio...e sempre as maiores revelações.

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  5. Ramon, Ramon!... Que caminhos estão rabiscados nesse Mapa?

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  6. Às vezes passamos sempre pelo mesmo caminho e não o percebemos, ouvimos várias vezes a mesma música sem nos darmos conta de alguns detalhes. Mas, de repente estamos abertos de tal maneira que somos capazes de perceber algo novo nas coisas de sempre. Aí tudo ganha um sentido diferente...

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