quarta-feira, 1 de julho de 2009

"Pois quem tiver nada pra perder, vai formar comigo um imenso cordão"

Agora que estou às portas da morte, questiono-me sobre o porquê das pessoas contarem os segredos ou revelar verdades quando estão para morrer. Sabe, tenho uma doença que médico algum diagnostica, que benzedeira alguma cura (sim, odeio coisa relaciona a este tipo de crença, mas estou muito fraco para impor minha vontade), que reza alguma funcione. Passei minha vida toda guardando alguns segredos, não por serem importantes ou reveladores, mas você já percebeu o quanto é difícil manter algo secreto? É como se as pessoas conseguissem ‘sentir’ (falando assim, parece que me refiro a um cachorro... mas, pensando bem, as pessoas são como cães farejando motivos para ferrarem com tudo) quando algo está tampado pelo véu casto dos segredos. E sempre tentam macular tão jóia, tais mistérios. Por que o ser humano gosta tanto de acabar com o que nos aguça a curiosidade, de desvendar tudo? Os mais descrentes me parecem tão desesperados para crer em qualquer coisa que crêem ser possível obter verdades sobre tudo. Coitados.

Mas voltando ao ponto, por que revelar os segredos quando estamos para morrer? Uma coisa que nos sacrifica tanto para manter, sendo entregue tão facilmente, simplesmente porque se não contarmos os ‘mistérios’ morrerão conosco. Mas, não é exatamente está a idéia? Que os segredos morram conosco? (ah! Vai entender essa mente humana). Ou será que precisamos provar, depois de sabe-se lá quantas cobranças pagas, que amamos alguém, e para isto temos de entregar até o nosso último e secreto desejo... ou mentira.

Fui casado por muitos anos, muitos anos mesmo. Uma vida (como se eu tivesse tido outra, como se fosse possível outra... Talvez para quem perca a memória sim, mas não é o meu caso). Sempre fui honesto, mas comigo mesmo. Oras, por que ser honesto comigo é indigno? Não me via obrigado a dançar a música da minha esposa, só porque ela queria que eu partilhasse tudo com ela. Nunca partilhei tudo com ninguém. O máximo que eu dividia era o meu nada, o que já era muito, porque se você for pensar bem, o nada é muito mais do que qualquer outra coisa. É a forma mais rápida de manter secreto um segredo (isso foi um trocadilho sem graça? Desculpe-me, oquei, estou para morrer. Talvez meu senso de humor não funcione tão bem como outrora - Oh palavrinha feia... não gosto).

Certa noite, cansado como nunca estive, acordei e vi à cabeceira de cama minha mulher, prostrada, um padre e minha mãe: era hora da extrema unção (sempre achei que se escrevesse ‘extremunção’. Erro grosseiro, não é mesmo?). O padre veio, fez todo aquele teatro, livrou minha alma sabe-se lá do quê, para ir para sei lá onde, enfim, aquele ritual de partida fora feito. Minha mãe acompanhou o padre até a rua, e minha mulher postou-se ao meu lado, passando as mãos em minha cabeça. Acariciava meus poucos cabelos e minha testa, talvez ela pensasse “vá, morra logo. Livrai-me disso tudo.”, mas nunca disse. Minha respiração foi ficando cada vez mais lenta, meus olhos com a expressão caída (como outras partes do meu corpo, se é que me entende), minha hora estava chegando, ou era a hora da morte trabalhar? Tanto faz. Minha mulher olhava-me com uma cara estranha, como se me perguntasse algo. Não consegui compreender. Depois de muito silêncio e um olhar esquisito, ela me disse: “não tens nada a me dizer? Nada que queira revelar? Ou algum segredo que precise que eu saiba?” Olhei para ela, fiz uma força descomunal, pois estava muito fraco, e respondi que não. Depois morri. E por hora não sei onde estou. Pois bem, acredite nisso. Ou você achou que eu fosse revelar esta ‘verdade’, este ‘segredo’?

3 comentários:

  1. ninguem foge da morte mas ela ainda aterroriza as pessoas

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  2. Meu último texto tinha um eu-lírico feminino...esse da Lô, um eu-lírico masculino. Será que essa inversão de papéis significa algo?

    ....medo...rs


    ótimo texto, Lô...bjus

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