O diagnóstico de depressão parecia incrivelmente leve em sua mão. Parecia que estava lendo algo dirigido a outrem, na verdade, a ninguém específico. Parecia estar lendo um diagnóstico fictício, de um personagem fictício, de algum livro de ficção ruim. Muito ruim. Sorriu amarelo para o psiquiatra e esperou ele entregar a receita. Juntou os dois papéis na carteira, apertou a mão do dr. e saiu. Estava se sentindo incomodada por estar aceitando aquilo tão bem. Uma sensação estranha, como se já tivesse certeza de seu estado, e do que aconteceria dali pra frente. Deixou o prédio tentando acomodar esse incômodo. A rua estava impressionantemente limpa e o sol de inverno lançava uma luz aconchegante sobre tudo. Ela não percebeu isso, estava deprimida oras, não tinha obrigação de perceber coisas sutis assim. Passou na padaria e comprou dois pães e um maço de cigarros. No caminho acendeu o primeiro cilindro pensando que deixaria os pães estragar, como fazia há algumas semanas já. Detestava fumar do jeito frenético que estava fumando. Mas fumava, contorcendo os lábios com desgosto. Chegou em casa e demorou a destrancar a porta. Aquilo a deixou angustiada, triste mesmo. Entrou e lançou o pão com displicência sobre a mesa, não sem correr os olhos sobre a lixeira onde os pães de anteontem e ontem foram descartados. Foi para o quarto, ligou o computador e a tv, acendeu outro cigarro. Não deu atenção nem à tv nem ao computador. Apagou o cigarro e se deitou. O travesseiro estava frio, a cama também. Não dormiu, não ia dormir. Nunca dormia mesmo. Seu sono não passava de uma necessidade biológica, não descansava, não relaxava, não levava nada embora. Passou o polegar sobre as unhas roídas. Olhou para o porta retrato, com a foto dos seus pais. Não gostava deles, não naquele momento. Naquele momento não gostava de nada. Eram seis da tarde e ela precisava comer. Se dizia isso como quem se cobra uma dieta na segunda-feira. Levantou da cama. O mundo parecia muito grande fora dali. Preparou a mesa e colocou algo no microondas. Lembrou que tinha retirado o telefone do gancho na noite anterior, simplesmente por retirar. Colocou-o de volta. Tirou o prato do microondas e olhou pra ele com cara de desgosto. Comeu pouco, quase nada. Deixou tudo como estava e se despiu. Foi até o banheiro, e abriu o chuveiro. A água estava quente, seus seios ficaram vermelhos rapidamente. Ela se sentou no chão do banheiro e chorou, chorou muito. Esperava espíritos negros que a levassem embora. Esperava o som de catástrofes e o juízo final. Esperava assaltantes, quedas de aviões, tudo que pudesse terminar com sua vida ali, naquele momento. Não queria ter a responsabilidade por um suicídio, então não se matava. Ficou ali chorando, sob a água quente, sentindo a depressão pesar, independente da leveza do diagnóstico no papel. Não seria feliz, nunca. Sabia disso. Se sentia má, ofensiva, doente e culpada. Não era nada mais que uma suicida incapaz de se matar e com os seios vermelhos pela água quente. Não era nada mais, sem ironia, sem nada no meio...
...e a gente encara que é ‘louca’, abstrai e canta “a filosofia hoje me auxilia a viver indiferente assim.”.
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