Refeitório de petulâncias coletivas. Porque café filosófico é café pequeno.
quarta-feira, 15 de julho de 2009
Virgínia.
Atentamente observava o salão, repleto de pessoas de movimentos suaves e sorrisos ariscos. Virgínia tentava novamente compor sua canção, imaginando-a a cada passo calmo pela festa que ela, na verdade, não participava nem entendia. Se foi capaz de cumprimentar alguém, pouco levava isso em consideração. Nem sequer percebia que estava sendo observada. Virgínia era a louca, a compulsiva, a infeliz e amargurada que já tentara se matar algumas vezes, a suicida fracassada. E assim, exatamente assim, os olhares de seus convidados a diziam sem que ela percebesse. O desespero, a angústia, a falta de si própria levou-a até a janela, de onde podia contemplar o outono de um entardecer suave, avistando o sono profundo da natureza que ela sentia uma necessidade inteiramente mortal de tocar. Sorriu... Sorriu de medo e em direção ao tempo lá fora. O fitou com toda força que fora capaz de arrancar de dentro de si. Virgínia segurava o copo vazio cautelosamente com a convicção de que ele guardava um momento. Era nele um instante de algo que ela procurava, ressentia, duvidava. Talvez devesse chorar suas lágrimas em seu interior para dar a ele algum significado. Virgínia era o copo. Virgínia era música que vinha do vazio de um insignificante copo. Enquanto alguém iniciava um discurso emocionado, Virgínia distraída consigo mesma dedilhava seu piano. Violentou de dentro de sua alma sua mais profunda tristeza, fechou os olhos sentindo toda sua dor, e sob olhares repulsivos dos que a julgavam insensível por não perceber a homenagem, tornou-se música. A música mais bela e profana. Havia nela um pouco de sombra. Uma sombra que Virgínia não quis fotografar novamente para retirá-la. Ela se queria sombria e imperfeita. Uma sombra necessária. Sombra perdida naquele recanto de uma vida que deveria ser feliz e ideal. Há tantos anos diagnosticada como esquizofrênica, dopada por drogas que desconhecia e diziam precisar; pela última vez em tanto tempo, Virgínia se emocionou com seu auto-abandono. Deitou-se no sofá tragando o último cigarro de sua vida, encheu o copo do que queria ter sido a vida inteira e sabia: jamais seria feliz por ser uma eterna insatisfeita. Envenenou-se no mesmo copo vazio de antes e sentiu-se leve. Aquela hora era tranquila e Virgínia não queria pensar em sua vida toda que nunca dera motivos para perder tanto tempo. Pensou em sua última canção. Uma canção de amor à sua inexistência. E segundos antes de morrer, lembrou-se: - era seu aniversário...
Cara... só posso dizer que isso merece como trilha: 'copo vazio'...
ResponderExcluirprefiro n comentar...