A porta estava aberta. Assustou-se
Entrou em casa e encontrou tudo revirado. “É ele. Só pode ser ele.”
Seu filme favorito estava jogado no chão, quebrado. Era pessoal. Era um recado.
Não ignorou o silêncio. Procurou por seu cachorro. Chamou. Não houve resposta. Vasculhou os cômodos, mas não o encontrou.
Sentiu uma súbita vontade de mijar, foi ao banheiro.
O banheiro era branco com detalhes em metal. Havia uma pia, vaso, cortina, escova de dentes, touca, uma vodka, toalhas, meias, calcinhas, camisa de futebol, um livro, palavra cruzadas – ouvi dizer que seu intestino era preguiçoso -, chuveiro, secador de cabelos, tesoura, shampoo, sabonete, bucha, creme, copo, rádio, cigarros, fósforo, caneta, tapete, pinça, absorvente, e o que ela mais gostava no banheiro, a banheira: grande, com hidromassagem.
Me disseram que ela chegava em casa, brincava com o cachorro, subia ao banheiro, enchia a banheira, abria a vodka, entrava na água, afundava a cabeça, prendia a respiração, abria os olhos, soltava o ar devagarinho e levantava. Bebia da vodka, da garrafa... e fazia tudo outra vez. Saia. Sacudia o corpo. Se secava. Botava roupa seca, e ia pôr comida pro cachorro.
Na cozinha, abria uma cerveja, dava um pouco pro bicho. Comia salada. Não gostava de carne. Ligava o som, dançava... e o cachorro corria atrás dela, e mordia seus tornozelos... queria brincar, só fazia isso.
Quando entrou no banheiro, viu o cachorro... e o sangue: estava morto. Um cheiro de vodka, sangue, cerveja e cigarros impregnado no ambiente.
O cão estava morto, dentro da banheira. Seu sangue misturado com a água, a vodka, a cerveja, e o cigarro. Na banheira havia tudo o que ela mais amava.
Final 1
Ficou em pé, diante da banheira, olhando o quadro: “Lynch, seu bastardo.”
Riu.
Saiu.
Desceu à cozinha e abriu a geladeira; encontrou uma faca suja de sangue.
Havia ainda uma cerveja.
Bebeu.
Final 2
Olhou a cena, o sangue: Lynch, seu bastardo...
Olhou o banheiro... gravou a cena na memória... sentiu uma leve tonteira... desmaiou...
Acordou, tempos depois.
Se levantou, tirou a roupa. Cortou a mão, deixou que seu sangue escorresse pelo braço e caísse na banheira.
Entrou , e fez parte daquela imensidão morta, de amores: a moça, o cachorro, a banheira, o sangue, a vodka, a cerveja e o cigarro.
Restava ainda um pouco de vodka na garrafa. Bebeu. “Aquele patife miserável...”
Saiu da banheira, se lavou na ducha extra. Vestiu-se.
Telefonou.
- Eu vi o que você fez. Não estou me sentindo bem. Venha aqui?!
Ele foi. Ela o beijou a face. Ele tirou a roupa e a abraçou. Ela Enfiou uma faca em suas costas... Seus olhos ainda a olhavam... Ele sorria.
A moça postou o corpo do assassino de cervejas dentro da banheira, da grande banheira que comprara... Esperou.
O olhar do rapaz se tornou aflito... ela tapou sua boca, com uma camisa... Ele morreu.
Ela, outra vez, entrou na banheira. Adormeceu.
Acordou espantada. Gritou. Desmaiou.
Acordou. Sorria.
Se lavou e se trocou.
Pegou uma carta, leu, queimou e riu.
Ouvi dizer que eles combinaram. Eram fanáticos em Lynch e Jodorowsky. Ele fez sua parte, ela não. Ele se matou. Ela o traiu, deveria estar morta.
Ela deixou o pó da carta sobre o chão. Desceu. Abriu a geladeira.
Bebeu uma cerveja...