quarta-feira, 14 de julho de 2010

A segunda divisão

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Era um jogo decisivo. Apenas quatro times subiriam para a primeira divisão. O time estava em quinto lugar. Precisava de apenas um ponto para se classificar e desbancar o rival que estava na quarta posição. Naquele momento, perdia por um a zero. Um pênalti. No final do jogo. A redenção poderia vir naquele momento. O atacante pegou a bola, chamando para si a responsabilidade. Veterano, já beirava os trinta e três anos. Ainda não pensava em se aposentar. Com razoável sucesso em times grandes do Brasil e da Europa, chegou um momento em que não havia mais propostas de clubes de expressão, e ele acabou aceitando jogar naquele clube médio. Colocou a bola no chão, olhou para o goleiro. Pensou no seu salário. Era razoável. Mas estava atrasado havia três semanas. Pensou sobre a importância daquele pênalti. Pensou no ano seguinte. Seria ele o titular do time na primeira divisão? Provavelmente não. Com mais dinheiro, o clube contrataria um jogador mais jovem, revelação de algum outro time. O que seria destinado a ele? Um prêmio pela artilharia do campeonato da segunda divisão, uma renovação de contrato por mais um período curto, um jogo de despedida? Ou a rescisão contratual, relegando-o a algum outro clube de menor expressão? E se mais nenhum clube se interessasse? Pensou nos outros jogadores. Alguns jovens, início de carreira. Teriam chance no time principal no próximo ano? Ou também seriam como ele, tendo que escolher entre serem emprestados a times de menor expressão ou correrem o risco de nem serem relacionados para as partidas, se restringindo a treinos no time reserva? E nem os salários estavam sendo pagos em dia...

Ele olhou novamente em direção ao gol. O goleiro se preparava. O time adversário nem tinha mais chance no campeonato. Não havia, portanto, pressão alguma sobre o guarda-redes. Tudo que ele tinha que fazer era chutar para o gol. Seria fácil.
O juiz apitou, autorizando a cobrança. Ele tomou distância. Neste momento, pensou em Roberto Baggio na Copa de 94. Chutou com força, para o alto. Baixou a cabeça e saiu, sem olhar para os lados.

2

Ele sabia da presença de olheiros de dois times grandes no estádio, um do sul e um da capital. Teria que fazer uma partida excelente. E vinha fazendo. O time adversário brigava por uma vaga entre os quatro primeiros, o que garantiria o acesso à primeira divisão. O time dele não brigava por nada. Mas era a chance dele de ser visto e de conseguir um contrato em um time grande. Pensou na ascensão que teria sua carreira. Era um goleiro jovem ainda, vinte e três anos. Dez a menos que o artilheiro do campeonato, o centroavante do time adversário, que não acertara um chute desde o início da partida. Todos os chutes foram defendidos com primor. E o time ganhava por um a zero. Eis que, quase no final da partida, o zagueiro à sua frente derruba o meio-campista adversário. O goleiro sabia que, se defendesse aquele pênalti, suas chances de uma grande transferência aumentariam, e muito. Aquele era o seu momento. Apertou a mão do adversário, fez uma provocação e tomou seu lugar. Ficou se movimentando até que fosse dada autorização para a cobrança. Enquanto isso ia pensando sobre a possibilidade de nova vida que se apresentava. Finalmente poderia ter dinheiro pra comprar um apartamento. Talvez um carro importado. Balada? Não, precisava tomar juízo. Havia se casado recentemente, precisava respeitar a mulher de sua vida. Ela iria amar a vida na capital, pensou. E caberia a ele decidir para qual clube iria. O empresário já o havia colocado a par das sondagens. Aquela partida seria fundamental para as propostas se consolidarem. Defender um pênalti, então, meu Deus, seria a glória! E ele estava otimista. Era chegado o momento. Ele esperaria o centroavante chutar e pularia para agarrar a bola, para o lado que ela fosse. Estava preparado. Tudo certo! O juiz apitou, autorizando. O jogador tomou distância e chutou. Para o alto! Todos os jogadores correram, enquanto o cobrador do pênalti se afastava, cabeça baixa. Foi bom para o time, que garantiu a vitória. Mas o goleiro não se conformava, xingava o adversário. Faltavam dois minutos para o final da partida. Botou a mão na coxa, caiu, simulando uma contusão. Não queria mais estar ali. Para ele, o jogo havia acabado.

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