quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Ridi, Pagliaccio!



Pra Mah e pra quem ainda pinta palhaços....


Quando criança eu tinha uma dificuldade enorme em pintar palhaços. Não sei explicar bem o porquê. Acho que eu gostava de tudo muito simétrico e ordenado e palhaços pareciam um pouco confusos pra mim. Muitas cores misturadas, muita coisa brilhando, enfim...Num dos momentos mais surreais da minha vida peguei carona com uma Van de palhaços. Calma, não era um desses carros de circo onde saem mil palhaços de uma vez. Era uma Van que iria levar uma trupe de palhaços pra se apresentar numa escola de Ouro Preto. Quando entrei alguns deles estavam se maquiando, um reclamva com o amigo que tinha pego frieiras nos pés, outro, já maquiado, fumava um cigarro barato, soltando baforadas pela fresta de uma janela quase aberta. A cena era meio bizonha, meio bizarra. Sei que viajei quarenta e cinco minutos em completo silêncio, vendo como era um palhaço sem maquiagem. O bom palhaço é aquele que nos faz acreditar que nunca limpará o rosto, que o sorriso apatetado e o nariz falso são dele mesmo. As cambalhotas, piruetas e macacadas são o que menos importa em um palhaço talentoso. Um bom palhaço traz em si uma alegria quase transcendental. Uma alegria da qual ele é mero objeto. Se você consegue imaginar que aquele cara de sapatos enormes e suspensórios de bolinhas também chora ele é um péssimo palhaço. Muitos dos enfeites e trajes dos palhaços vem das formas de se ridicularizar os loucos na Renascença. Até a loucura se tornar uma doença, os loucos conviviam diarimente com os "sãos". A partir do momento em que é considerada uma patologia, com o fortalecimento das idéias modernas sobre a razão, a loucura e o louco começam a ser um problema. Descartes estabelece o Penso, logo existo, como máxima universal. Acreditava-se que o louco não pensava, portanto era importante encontrar um meio para que o mesmo não existisse. A primeira forma foi a Nave dos Loucos. Navios de piratas ou comerciantes que recebiam um certo valor para retirar os loucos de uma determinada cidade. Não demorou muito pra que a atividade se especializasse, obrigando cidades a proibir a entrada de pessoas que não fossem devidamente interrogadas antes, para evitar o ingresso de loucos. Muitas vezes para distinguir, outras para ridicularizar os loucos eram vestidos com andrajos espalhafatosos e ridículos, algumas vezes maquiados. No festival dos tolos, na França, algum louco célebre da cidade era tratado como rei por um dia, e vestido com roupas escandalosas, muito parecidas com de palhaços. Ao final do dia o "rei" era destronado e ridicularizado. O rei mômo do carnaval vem dessa tradição, do ridículo sendo coroado. O palhaço se tornou uma forma engraçada e doméstica do louco. Acabou virando profissão. Chegou ao Brasil há uns duzentos anos, trazida por ciganos e ganhou uma identidade própria aqui. Os palhaços brasileiros falam mais do que outros palhaços, que concentram a maior parte do espetáculo no gestual. Mas o que mais me impressiona no palhaço é que nele a alegria anda sempre perto de uma aura melancólica, como se ao final da apresentação o palhaço fosse retirar a cor do rosto e com ela toda alegria que ele representa fosse embora também. Por isso a presença constante do palhaço triste no nosso imaginário. De um Chaplin, de um Canio, de um Carequinha. Por isso é importante que o palhaço não cubra os olhos, ainda que os orne com pinturas em seu entorno. Pra que possamos ver essa melancolia através do brilho do olho quase lacrimoso. Ele é um funcionário, um objeto da alegria alheia e não importa o que aconteça, o show deve continuar, como diria Canio, ou melhor Pagliaccio. A ópera de Ruggiero Leoncavallo mostra quando Canio descobre a infidelidade de sua esposa, mas continua se maquiar para sua apresentação como Pagliaccio, porque o show deve continuar, ainda que seja preciso transformar soluços e lágrimas em sorriso e dor em uma cara engraçada. O Tetro Mágico traz essa aura também, de uma melancolia quase mística, quase espiritualizada que todo palhaço carrega. E ainda que as pinturas sejam um aspecto cênico o que importa não é o branco e o vermelho do rosto, mas essa alegria melancólica que ele sempre traz. Porque o show tem que continuar, ainda que o palhaço tenha frieiras. http://www.youtube.com/watch?v=Ky271W94VHA

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