terça-feira, 13 de outubro de 2009

Por merecer um poema...

Pra Joy
Ela fechou o livro sobre os joelhos. Acariciou a capa de couro e não disfarçou um pequeno beliscão na lombada. Adorava livros assim. De graça, de uma forma quase submissa, como se ela fosse o objeto e não o contrário. Amava os livros a ponto de querer agradá-los, querer fazer as fibras e os pedacinhos organizados de celulose vibrar. Queria dar prazer aos livros, como uma amante que quer fazer o amado sorrir. Pra isso era importante viver os livros. De que "adiantava acompanhar um personagem até sua morte senão se morre junto?"ela perguntava. E sabia sofrer, e sorrir, sabia viver e morrer com os livros, se auto-constituir como se passeasse nas páginas, se apoiando nas letras, beijando as interjeições, rindo dos acentos e tropeçando nas vírgulas. Não era algo mágico, fora do mundo, simplesmente era assim...e, por isso, era perfeito. Como todo viver verdadeiro. Por isso beliscava as lombadas, pra manter aquele mínimo diáfano de vida bela, único resquício de um livro fechado.
Sua mão suava sobre a capa que ela não queria soltar. O caminho até à prateleira foi propositadamente mais longo e mais erradio. Abaixou-se pra ver dicionários, coçou a cabeça diante de pilhas de filósofos orientais, riu alto de tratados de física, fez seu próprio labirinto entre as prateleiras. Era uma dança de criança a que fazia ali. Uma dança entre brinquedos. Afinal, o que são os livros pra quem os ama além de brinquedos sérios e importantes demais?
A dança terminou num passo em falso em frente ao espaço vazio onde seu amigo de capa de couro deveria repousar. Correu os olhos quase aflitos pelas lombadas vizinhas. Pareciam um tanto pedantes e orgulhosas demais perto do livrinho marrom nas suas mãos. Ficou na ponta dos pés pra ver se não tinha nada na vaga que pudesse ferir o livro. Passou, destemidamente, a mão no vazio da prateleira, jogando poeira nos próprios olhos. Encaixou o livro em sua casa recém-faxinada, leu devagar as sílabas do título: "A-ca-sa-de-pa...", dirigiu um último e suspirante afago ao livro, virou-se e partiu...
Na verdade nunca partiu realmente...ficaria ali pra sempre, em partículas de unhas marcadas numa lombada de couro. Em fios de cabelo caídos entre as páginas. Ficaria ali pra sempre, entre sonhos encapados. E um dia alguém sorriria pra ela, numa carícia singela, dessas assim...de graça...

6 comentários:

  1. Existem coisas que me deixam sem palavras, por si só elas traduzem, esgotam em si, toda a possibilidade de reação discursiva. Sinto-me lisonjeada, "assim...de graça..."

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  2. Que coisa mais linda......
    Puxa, não conheço quem escreveu, mas quem escreveu soube ler a Joy.
    Parabéns, lindo texto.
    Ao lado da Joy, sinto-me homenageada pela beleza das suas palavras.
    Beijo grande.
    Cláudia Cardoso

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  3. De graça eu faria um perfume para Joy. Nele colocaria várias notas de livro, outras notas encorpadas de café e um toque picante de cigarro!

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  4. Se todos tivessem esta relação com os livros as bibliotecas estariam vazias.

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  5. Se todos tivessem esta relação com os livros as bibliotecas PÚBLICAS não estariam vaziam, óbvio que não. Talvez estariam com seus exemplares mais conservados, mas, vazias, com certeza não. Podemos dizer que existiriam mais bibliotecas particulares. Quem sabe.

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  6. Tentei ser poético, não exato!!!!!!!!!

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