David Hume (1711-1776) tentou resolver o problema da estética propondo a criação de uma norma do gosto. Especialistas, pessoas com tempo pra ler, ouvir e estudar tudo produzido sob o selo da "arte" dariam o veredicto final sobre o que seria boa arte ou arte ruim. Hume dizia que isso era mais próximo de uma análise racional e objetiva da arte que poderíamos chegar. Outros autores, como Kant e Hegel, achavam que a arte, enquanto aesthesis, não pode ser pensada dentro de padrões racionais, e que nenhum critério objetivo existe pra determinar se algo é belo ou não, cabendo ao juízo de cada um determinar isso. Nietzsche dizia que a arte bela é aquela que consegue aliar com mais força o aspecto apolíneo (da beleza plástica, da imagem, do limite) e do dionisíaco (da embriaguez, do exagero, do excesso)do cosmos e da vida em si. Algumas análises de cunho marxista buscavam demonstrar o papel da arte como véu ideológico que encobriria as lutas de classe, revelando as condições materiais de cada época "disfarçadas" na arte. Quase que silmutaneamente a isso tudo, crescia no pensamento ocidental uma tendência ao irracionalismo e ao relativismo emotivista (nada a ver com o movimento emo, ok?). Essa corrente prega a total incapacidade humana de racionalizar a arte e mesmo estabelecer critérios para o belo. O que importa é o sentimento que a arte despertaria em cada um, e justamente por ser subjetivo, seria relativo, impossível de ser analisado racionalmente.
Tudo isso se agrava seriamente nos dias atuais, onde as sociedades se mostram cada vez mais plurais, e formas de vida das mais diferentes devem conviver. Se antes era muito difícil pensar uma norma do gosto como queria Hume, essa tarefa hoje parece impossível. Mas e então, como ficamos? Estamos obrigados a admitir que, como não existe critério objetivo, tudo é arte e tudo é belo pela possibilidade de repercutir na subjetividade de alguém? Estamos obrigados a admitir que Mozart e Mc Sapão tem o mesmo valor porque Mozart pode emocionar menos uma pessoa do que o batráquio funkeiro? Soa como uma sandice muito grande, não é verdade?
Weber já dizia que a democracia deveria estar onde lhe convém. Bom, a arte não parece ser bem esse domínio. Com certeza arte é complemento de vida, e não podemos unicamente impor a cada um o que deve complementar sua existência, mas esse papo de que tudo é arte equivale a dizer que nada é arte. Nessa lógica não surpreende que peças publicitárias sejam consideradas como arte nos dias de hoje, e nem que muita coisa pretensamente artística sirva unicamente pra vender bugingangas. Mas o pior é a regra estúpida do "gosto não se discute". Não se enganem, tudo é gosto, tudo...Por mais que revestimos muito desses gostos com uma aura de racionalidade no final tudo é subjetividade, tudo é gosto, tudo é opção.
A incapacidade de refletir sobre a própria existência leva as pessoas a se apoiarem em verdades dogmáticas em relação a sua própria vida. Quando se diz que "gosto não se discute" encerra-se dogmaticamente a discussão, fazendo exatamente aquilo que se finge condenar: impor uma opinião. Sacraliza-se o tal gosto, impedindo sua discussão como se isso fosse uma heresia.
Por fim, discutir o gosto não é universalizá-lo nem impô-lo, aceitá-lo como sagrado e indiscutível é que o torna dogmático e burro. Mc Sapão não vale o mesmo que Mozart, e a menos que toda história do ocidente mude drasticamente, nunca valerá. Quem não quer discutir gosto não quer é admitir que não sabe nem porque diz gostar de algo, não conhece a si mesmo nem o que pretende gostar. Quem não se põe em xeque não é capaz de apreciar nada realmente. E isso sim, não se discute.
Uma das poucas coisas que aprendi (?) foi que "nem tudo é para se fazer quando não se está fazendo nada". Pelo mesmo raciocínio digo que "nem tudo é para ser discutido só porque tudo pode ser pensado"
ResponderExcluirBem, não sei quem é Mc Sapão, mas em se tratando de Funk, o cara lá do morro pode considerá-lo o ícone da arte musical por falar a mesma língua que ele. Já Mozart pode ser para o mesmo cara do morro um chato e incompreensível. Muita pretensão dizer que isso ou aquilo não é arte, ou melhor, que isso ou aquilo é boa arte ou não. E a arte não tem o mesmo valor para todo mundo! Se alguém considerar boa arte o que eu acho um lixo inominável, não posso dizer que não se trata de arte só porque eu não considero assim.
ResponderExcluirEntão basta o carinha achar Mc Sapão um gênio e Mozart um chato pra alterar toda a concepção cultural e artística do ocidente em séculos? Não é muito solipicismo simplista não? Será que os sentimentos do indivíduo são tão importantes assim? E os limites à própria existência desse indivíduo? Será que se ele fosse capaz de compreender Mozart ele não mudaria de ideia? Não é pretensão em demasia tentar determinar o que é arte. Pretensão é achar que o que se gosta ou que desperta um "sentimento" é arte e foda-se o que a história, a estética e o mundo inteiro tem a dizer sobre isso. O gosto de ninguém é tão importante assim...
ResponderExcluirNão refiro-me ao conceito objetivo de arte. A questão é justamente a interpretação do que é arte. Como você mesmo disse, o conhecimento e a capacidade de compreensão determinam a subjetividade do alcance da arte. Penso que se o cara do morro conhecesse e compreendesse Mozart,certamente ele consideraria sua música a arte mais bela se ela representasse algo para ele, mas o que ele conhece é o Mc Sapão. Isso para ele é o melhor da arte, é o que ele conhece. Há bastante subjetiivdade no que se entende por arte. Não sou obrigada a ter a música de Mozart como a melhor do mundo em termos de música clássica só porque assim se convencionou. Para mim, a arte tem valor quando me toca, quando representa algo, tem sentido. E foda-se mesmo Mozart com sua arte, ela não me toca nem representa algo profundo para mim. Sou pretensiosa sim, porque prefiro Maria Callas!
ResponderExcluirAo dizer que só tem valor o que te toca está justamente objetivando um conceito dogmático de arte: "é o que me toca". E impedindo não um consenso sobre o que é arte ou o que tem valor artístico, mas uma discussão sobre isso.É como se dissesse: foda-se o que o mundo pensa; sem considerar que se está nesse mundo e sua relação com ele não pode em nenhum momento ser ignorada. Ao evitar a discussão em nome de uma pretensa sensibilidade ou de uma ordem do gosto, objetiva-se muito mais e impõe-se muito mais pretensões estéticas do que a universalização ingênua que Hume e outros modernos tentaram criar. Somente através de uma abertura à preocupação e ao conceito de belo nos permite apreender minimamente o que é arte. E não se faz isso chocando o próprio gosto como se fosse um ovo de ouro.
ResponderExcluirReconheço a universalidade da arte e do que tem valor artístico e não estou desconsiderando absolutamente tudo isso quando choco meu "ovo de ouro". Para mim existe uma arte universal e existe aquela que eu tenho minhas próprias razões de assim considerá-la.Nem sempre o que é universal é aquilo que casa com seus conceitos. E estou bem certa de que não serei responsável pela falta de consenso sobre o que é arte só porque tenho gosto divergente. O consenso se dá sem a minha participação. Posso respeitar o conceito universal de arte sem, contudo, partilhar dele.
ResponderExcluirhauhuahuahuahuha...maria, vás estudar, muito mesmo!
ResponderExcluir"Para mim, a arte tem valor quando me toca"
ResponderExcluirE será que tu tens discenimento intelectual para receber qualquer arte?