Humberto Gessinger é um cara que ainda escreve canções. Ele é o sobrevivente de uma época estranha, em que as pessoas esperavam que os artistas dissessem algo através de sua arte e muitas vezes esses artistas acreditavam que isso era possível. Se a obra dos Engenheiros tivesse aparecido na década de 60 em um país menos tropical talvez não tivesse passado por toda sorte de vilipêndios que enfrentou. Na melhor das hipóteses Gessinger pode ser classificado como um atavismo que superou as tentações fulgurantes das mudanças e adaptações à moda justamente por se dedicar a algo incrivelmente anacrônico: escrever canções. Muitos já estão pensando nesse momento: "mas, um monte de gente ainda escreve canções!" Será mesmo?
A canção popular é um fenômeno cultural da modernidade. Não é de se assustar que o fim da era moderna, o qual atravessamos desde o final os 60's, ameace de extinção a canção. O paradigma em que ela nasceu e surfou quase soberana por tanto tempo não mais existe. A produção enlouquecida de música eletrônica (que não segue o padrão de uma canção) é prova disso. A canção se torna a exceção dentro de uma regra que prega a repetição, o barulho, o caótico. Muitos "artistas" que pretendem trabalhar canções vendem uma outra coisa, um estilo, uma festinha, um rostinho bonito, e a canção é só um brinde. Para um público que não sabe ouvir, "artistas" que não sabem compor ou tocar. O melhor e mais mastigado exemplo são as bandas emo, mas podemos colocar no mesmo balaio o Capital Inicial, os Titãs, as bandas de festa 'ploc', e toda essa farra do boi em que se transformou a música brasileira.
Essa realidade só torna o trabalho do cancioneiro uma anacronia ainda maior. Talvez seja a primeira sensação que nos acomete quando ouvimos o trabalho de Gessinger e seu parceiro, Duca Leindecker, no projeto chamado Pouca Vogal. Quando o duo liberou suas oito canções inéditas e semi-acústicas no seu site havia algo ali que chocava. O que chocava era a distância monumental do barulho, da bagunça, da gritaria e do baticundum fake que permeia 99 em cada 100 trabalhos musicais lançados hoje. Mas somente assistindo ao DVD que essa impressão se decantou e confirmou. Tudo é sofisticadamente simples, menor, singelo. Apesar de se multiplicarem sobre múltiplos instrumentos e bugingangas, nada é exagerado, nada é além da medida, nada é falsificado. Mas o que impressiona mesmo é o fato das canções funcionarem num mundo em que ninguém mais liga pra canções. Podemos ignorar isso, mas é assustadoramente sintomático que os Beatles continuem na mídia mas que pouco se fale sobre as canções que fizeram juntos. Isso explica também o fato de que Lennon, obviamente o beatle com a vida mais impressionante, tenha uma presença midiática mais forte que os demais membros da banda.
Outro fato sintomático é a incapacidade latente dos "músicos" populares de hoje de falarem sobre música. Tudo é falado, narrado, investigado, da cor do esmalte à quantidade de obturações dentais do dito cujo, mas todos são incapazes de falar sobre música, sobre o que é legal ou não, sobre quais as pretensões artísticas, timbres, letras, etc. O melhor exemplo de diletância vazia são as entrevistas do Marcelo Camelo. Poucas pessoas tem aquele talento para falar, falar, falar e nada dizer. Até o "hã?" de sua namorada adolescente, Mallu Magalhães, é mais profundo que tudo o que o Camelo acha que diz.
Mas estávamos falando de músicos sérios. Quem estiver procurando um disco de rock nos moldes tradicionais deve passar longe do Pouca Vogal. Quem quiser algo revolucionário e avant garde, também. Não temos excessos e firulas, nem ôêôs com a platéia. Não temos guitarras quebradas no palco, nem carinhas de tesão fake pra impressionar as menininhas. Ao invés disso Gessinger & Leindecker nos dão canções, boas canções. Em tempos de arte vazia e megalomaníaca, em que tudo é purpurina e falação, isso é uma grande coisa.
Curto Engenheiros do Hawaii desde 1990 e conheci a Cidadão Quem em 1998. Você resumiu neste texto toda a história destas duas bandas. Todo o significado que tem a arte de Humberto Gessinger e Duca Leindecker. Vai ser difícil de fãs do Charlie Brown Jr. Emo's e "afins" entenderem isso. hehehehe
ResponderExcluirParabéns.
Wander - RS
Tu tentou falar bem do HG, mas não rolou pq se perdeu xingando meio mundo. Péssimo!
ResponderExcluirTá bom escama...o texto tenta fazer um paralelo com o que acontece na música hoje e o trabalho do PV. Tanto que destaquei bem a questão da anacronia. Só mencionei alguns nomes em um parágrafo, e não "xinguei" ninguém, critiquei, é diferente. Mas se vc acha que o texto ficou péssimo por conta disso, beleza. Obrigado pelo comentário.
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