sexta-feira, 9 de abril de 2010

Mulher na chuva


Recebi as fotos. Todas em branco e preto. Cenas cotidianas, alguns sorrisos, algumas olheiras, ônibus, cães e pedestres. Senti vontade de sair e descer a rua procurando os rostos familiares estampados no papel, mas não saí. Sentei na janela e acompanhei um gato pelo muro vizinho, olhei pro céu e acreditei ter visto uma pipa. Claro que não era uma pipa, não existem mais pipas. Lá embaixo sorri pro orelhão em que a vi pela primeira vez, tentando se esconder da chuva. Chamei-a pra subir. Acho que só veio pra proteger o saco de pão que trazia. Não adiantou muito. Rimos dos pães encharcados e ela secou o cabelo no meu banheiro. Trabalhávamos perto uma da outra e descobrimos que tomávamos o mesmo ônibus todos os dias. Seguimos a rotina até aceitar que estávamos apaixonadas e transformar a paixão em rotina. Juro que não foi difícil, nem ficar, nem transar, nem assumir. Nem ligar pra mãe e dizer que namorava uma menina. Foi fácil, fácil até demais. Ela adorava fotografia e adorava cinema. Eu não. Não que não gostasse, mas não me completava como a ela. Tirava fotos sempre, e sempre me mandava. As melhores revelava e me mandava por correio, nunca entregou pessoalmente, sentia vergonha, dizia ela. Decorei a casa toda com o que me mandava. Mas nunca comentava as fotos com ela, ela não gostava. Hoje chegou as últimas que enviara. De volta do correio me ligou chorando e disse que estava tudo bem. Mas não veio pro vinho, pro filme combinado, não trouxe o pão do dia seguinte. Ninguém sabe dela. E não adianta procurá-la nas fotos em branco e preto. Resta esperar. Talvez se chover o orelhão a traga de volta, com cabelos molhados e pães perdidos...pra mim...

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Será que a gente se cansa da inesperada perfeição? Às vezes só há um único caminho, e alguém nos mostra e nos acompanha... mas alguns de nós não sabem caminhar com companhia, tudo precisa ficar assim, numa fotografia. Alguns de nós só sabemos amar distantes, numa foto (creio que, tantas vezes, as fotos estão sempre vivendo).

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  3. adorei esse texto! é algo que escreveria... =)

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