“Prezado Felício:
Como estão as coisas por aí? Espero e acredito que estejam bem, visto que tivemos uma boa conversa há pouco tempo. Escrevo-te esta carta para dizer que visitei Sades recentemente. Sei que já não pisas lá, e não repudio tal atitude, já que não tens motivo para tal. Sades anda cada vez mais suja. Há gente gritando pelas ruas, a maioria dizendo frases sem sentido. A maioria espera um santo que nunca vem. Talvez porque não seja santo. Talvez porque tenha perdido os poderes. Fato é que passei pelo Arquivo Central, e pesquisei na letra F, pra encontrar alguns registros dos meus discursos, no tempo em que fiz parte daquele plenário. Sabes de uma coisa, caro Felício? Senti orgulho de mim mesmo, não me furto a dizer. Não retiraria uma vírgula de tudo o que disse naquele auditório, e fico feliz por saber que tudo está registrado. Acho que já havia dito isso em uma outra conversa que tivemos, não? Pois é. Mas hoje, volto a te falar sobre isso pelo fato de termos a mesma inicial, o que fez com que eu encontrasse no mesmo arquivo vários discursos teus, além de atos teus enquanto eras membro do Conselho Regulamentador. E como eras justo, caro Felício! As opiniões eram expressas livremente, mesmo quando eram, de certa forma, desconexas. Só havia punição quando alguém cometia alguma insanidade. Rufus, o ingênuo, sempre era punido, por vezes expulso do plenário, mas nunca foi tratado com truculência.
Andei dando uma olhada pelos arquivos de discursos recentes também. Depois de nossa saída; a tua por não tolerar mais a injustiça; a minha um pouco por tédio, um pouco por nojo daquele lugar, percebo que Egydio, o jovem, e Lisandra, a bela, retornaram ao plenário. Acho que Egydio tem futuro, embora eu acredite que lhe falta foco. Já Lisandra tende a não ser levada a sério, talvez pelo brilho dos olhos, ou pelo belo sorriso que ostenta enquanto fala.
Simão, o cidadão de bem, continua por lá, cuspindo bobagens, mas não tem muita gente para apoiá-lo. Costuma brigar com as paredes. No último discurso que li, ele se lamentava de minha ausência. Não pude deixar de sorrir. Dario, o tolo, está pronunciando um pouco melhor as palavras, mas continua o mesmo. Dia desses, confessou que pulou de um precipício porque todos os seus amigos pularam, e mesmo tendo se machucado muito, o faria de novo para prestigiar os amigos. O que ele não sabia é que todos os “amigos” tinham equipamentos de salto, menos ele. E não sabia que todos estes “amigos” comentavam sobre a tolice dele nas rodas de conversa. É um tolo, sem dúvida.
A esta altura você deve estar perguntando como anda Principês. Pois bem: como sabes bem, nosso amigo conseguiu o que queria, voltou a ter um cargo alto no Conselho Regulamentador. Mas pouco aparece por lá. Na verdade, não há o que fazer por lá. Só há uma meia dúzia de loucos que realmente freqüenta o plenário, e estes não oferecem o menor perigo. Eu me pergunto: do que vale todo esse poder? De que vale poder gritar mais alto, se a única resposta será o eco?
Fico por aqui. Se tiver mais notícias de Sades, lhe reporto. Abraços fraternos”.