segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Até amanhã...

Aí você me diz mil coisas, sobre crescer, tomar responsabilidades, amadurecer. Aí você aponta o dedo pra mim, diz que minhas roupas estão velhas, que preciso fazer a barba. Conta um monte de exemplos de outros: como foram mais heróicos, mais fortes e corajosos que eu, como criaram filhos sozinhos, nunca perderam um emprego, superaram cânceres, queda de cabelo e outras merdas. E aí você me obriga a te olhar nos olhos, e faz de conta que não se importa com o fato dos meus estarem marejados, chega até a me puxar pelo queixo, com força, cravando as unhas de leve pra eu entender que a coisa é séria dessa vez. Você se esforça pra esconder o decote, acha que pode me distrair, tem certeza que eu sou um idiota fútil, mas eu tento não ser, juro que tento. Você agora anda pela sala, bate o salto no assoalho pra mostrar que está se impondo, e eu acho que agora vai pegar algo pra lançar contra mim, mas eu sei que não vai, não é seu estilo, você não quer me ver sangrar, nem me machucar fisicamente, quer me ver mau, pra baixo, triste e arrependido, mas eu não sei do que me arrepender, eu sou só um cara que tenta. Que tenta não ser um idiota fútil, que tenta andar na linha, escovar os dentes três vezes ao dia. Sou um cara que tenta acreditar em deus, ter paciência com velhos e crianças, que tenta não gastar mais dinheiro do que ganha, que tenta ganhar mais dinheiro. Só um cara que tenta não dizer que detesta a sua comida, e que você não está mais tão jovem. Sou só um cara que tenta não esquecer seu aniversário, mas que acaba esquecendo, porque estava tentando fazer ou ser alguma outra coisa pra você e para o mundo. Sou sempre esse cara aí que só te olha com olhos marejados tentando descobrir porque está sendo xingado dessa vez. E, sinceramente, eu acho uma merda te amar do jeito que te amo. Acho uma merda depender de você existir, porque você não me faz feliz, você me deixa doente, porque você também é assim. E chega de bater os saltos no piso, eu ainda estou pagando por essa merda. Quer umas palavras sobre maturidade e respeito? Quer? Você quer? Pois bem, eu, eu não as tenho...eu não tenho nada, nada além de olhos marejados e um assoalho riscado sendo pago à prestações. E será que você não vê que é por isso, que é por isso que não tenho como ser o que você quer de mim, o que espera de mim? Eu vejo tudo isso, será que você não vê? É tão claro e tão dolorido. Ok, ok...vou me sentar aqui e ouvir até você parar de falar, mas não aguento mais, quero escovar os dentes e ir deitar, amanhã acordo as cinco, você sabe disso. Você tá cansada também, porque não desiste disso? Vai tomar um banho, ligar pro seu amante, pra suas amigas. Tá tudo certo comigo, tudo bem. Fico confortável aqui, sendo insignificante e cansado. Tudo bem assim? Já disse tudo? Está ótimo então, amanhã você vai com o carro, deixo a chave sobre a mesa, pego o metrô, pode deixar. Não precisa me esperar pro jantar, vou sair com o Pedro e o Marcelo, ver o jogo. Pode deixar, vou ter cuidado. Até amanhã. Te amo.

3 comentários:

  1. Caprichou no texto, hein, amigão? Foi porque eu ameacei te demitir por abandono de emprego? Hahahaha!
    Mas sério, gostei bastante do texto, é algo que eu escreveria. Acho que estamos construindo coletivamente aqui neste blog, e dá orgulho ver tanta gente diferente reunida e formando uma "linguagem". Valeu!

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  2. Medo do chefe é foda...ainda mais quando a gente trabalha sem receber...rsrsrsrsrs

    Mas tô numa crise criativa, vou acabar fresco que nem o Tom Yorke...rsrsrsr

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  3. Acho digno sermos sempre bruxas muito más que atormentam a vida dos pobres, ingênuos e indefesos homens.

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