sexta-feira, 17 de setembro de 2010

As crônicas de ninguém - Volume 1

Como anunciado no post anterior, começa agora nossa experiência colaborativa. Para iniciar a série, aqui está o primeiro texto, escrito pela convidada Luana Bernardes. Começamos com o pé direito.

Conto de Principiante


por Luana Bernardes*

- Comece de novo.

- Mas por quê? Pra mim tava tudo certo!

- Não, é melhor recomeçar, você deu uma vacilada logo no início.

- Certo, tudo bem, você é quem manda. Mas eu não percebi nenhuma vacilada.

- Talvez eu mate a protagonista na página dois então. E depois vá refazendo o percurso de sua morte até o final da história...

- Lamento dizer mas essa história já foi contada, doçura.

- Não se ela própria tiver forjado a sua morte apenas pelo impulso sádico de assistir o sofrimento dos entes queridos no seu funeral. Ou ainda, talvez ela tenha forjado a sua morte para se livrar das dívidas contraídas nas mesas de poker dos becos obscuros Glasgow, morta, teria seu nome honrado outra vez... quiçá ainda...

- Por Deus! Feche o seu fluxo de ideias aleatórias porque agora elas estão vindo rápido demais. Afinal, você ainda quer a minha ajuda para escrever esse roteiro imbecil, não quer?

- Principiantes iguais a mim matariam para estar no meu lugar...

- Agradeço o reconhecimento, mas ainda está cedo para os elogios. No momento apenas tente preecher essas folhas novamente, sim?

- Folhas em branco... suspiro permanente de todo artista. Marco da falta de inspiração, terror noturno de todos nós!

- A inspiração nada mais é do que uma dama caprichosa. Anote aí. Convide-a para um drinque sempre que ela lhe telefonar. Dance, flerte bastante com ela e aos poucos, mesmo que a contragosto, lhe visitará com mais frequência. Entendeu? Agora volte ao trabalho. Serei seu tutor para esses assuntos tediosos enquanto houver whisky nessa garrafa e madeira na minha lareira. Depois disso, a noite ainda será longa, certo meu anjo?

" Fugiu para Glasgow onde se casou com um velho escocês de barriga e bigode igualmente avantajados que lhe prometera aconchegante casa no campo com lareira. Matou-o tão logo a companhia do velho e seu cheiro repulsivo de whisky matinal não lhe eram mais suportáveis. Era chegada a hora de deixar que a pistola de calibre 22 a salvasse de morrer aspirando tão asqueroso ar. Tingiu novamente os cabelos de vermelho cereja enquanto decidia o que fazer com o corpo do velho bonachão. Talvez vendesse seus orgãos, talvez cozinhasse suas víceras e servisse aos vizinhos sempre tão solícitos, talvez desse os ossos para Ernesto, o cão de guarda mais obeso que já vira, e depois enterrasse o corpo no quintal. De qualquer forma, o cheiro de whisky do velho escocês repugnante, jamais sentiria outra vez..."

*Luana Bernardes formou-se em História pela UEM em 2009, é professora do Ensino Fundamental e pós graduanda em Psicopedagogia pela mesma universidade. Carrega muitos vícios que são inerentes à sua personalidade entre eles a cinefilia (com o qual gasta boa parte do seu salário), a cafeína e a música, do clássico ao velho rock, adora séries de TV e não dispensa um bom sitcom. Também nutre carinho especial por crianças, cachorros, coisas confortáveis e coloridas como pijamas e meias...ah sim, dormir é sem dúvidas seu esporte predileto. Está aprendendo a tocar violão e sonha ser a feliz proprietária de uma escola, um cineclube ou de um canil - ou então dos três...
Links da Autora:
Quinto Take
Empty Mind
Rascunhando Textos






4 comentários:

  1. Me lembrei de várias músicas, filmes e livros. Principalmente de uma "cena" silenciosa de uma brincadeira de roleta russa!
    Sempre tenho a impressão de coisas intensas só atraem outras coisas intensas que acabam por atrair a mais intensa de todas elas: a morte. Por causa de um livro ai que tou lendo, me desespero ao pensar que se um dia não morrer fosse benção coletiva, como pediríamos pelo abraço fatal de tal Dama!

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  2. Tô bem ansiosa para ver as outras versões mesmo! =} E obrigada mais uma vez pelo convite, Márcio!

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  3. virginia woolf, bukowski e mais um milhão de referências. nada poderia ser mais sádico! simplesmente adorei.

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