Livros empoeirados na estante pedindo pra serem lidos, causam a tosse, a garganta seca e um princípio de morte que se aproxima dela, toda desajeitada, encostada na parede, se perguntando como foi parar naquele emprego estúpido de faxineira contrariando toda sua ideologia. Um trago escondido, o avental jogado na cadeira perto da escada e uma ideia. Subiu os degraus cantando qualquer coisa quase bela que aprendera nas aulas de piano aos sete anos de idade. Tão patrocinada por sua madrinha que acreditava ter batizado a sobrinha que nascera para a arte. Ao topo, vislumbrando livros novos encapados e coloridos, decidiu optar pelas possibilidades. Pulou. Como um suicídio. Como um grito de liberdade. Como um tombo que quebrasse sua perna e lhe daria uma licença médica e atestados. Precisava de férias. Pulou como um grito, um mergulho. Pulou de braços abertos e sentiu-se a faxineira pretensa a pianista mais desnecessária do mundo no instante em que um gato cutucava as garras no rosto dela. Acordada do salto, preparou um chá, ficou nua na biblioteca e fez um ritual comemorando o grito que ninguém ouviu. Tornou-se livre e se demitiu. Não era mais uma faxineira, nem pianista, não era ninguém.
segunda-feira, 31 de janeiro de 2011
segunda-feira, 24 de janeiro de 2011
Cafeteria
Continuando a série de textos de convidados, nosso chapa Michel Gomes escreveu, a meu convite, um texto especial para nossa Marmita Filosófica. Como de praxe, ele se apresenta no final. Curta aí esta "Cafeteria" que não é café pequeno!
Cafeteria
por Michel Gomes
“Um cappuccino, por favor,” pedi no balcão, e enquanto eu esperava fui me sentar em uma mesa no canto, próxima à grande janela de vidro que tinha sido cuidadosamente limpa pela moça da limpeza. Toda vez que venho aqui, neste estimado café no centro de Maringá, me sinto como o observador dos poemas de Gonçalo Tavares e reparo em cada mesa, em cada pessoa. De frente comigo, por exemplo, o senhor que lê o jornal vem aqui duas vezes por semana, mas na verdade o jornal não lhe interessa, seu real foco é a garçonete de pernas grossas e seios fartos. Ele manuseia o jornal como se fosse uma bíblia, não consegue se conter nas calças. Ou então a jovem, bela jovem, que espera o namorado todos os dias pela manhã para irem à escola. Ela não sabe, mas ela tem em si todos os sonhos do mundo, como uma vez Fernando Pessoa explicou. E tem também toda a capacidade para realizá-los, mas quando descobrir isso será tarde demais, os sonhos terão acabado.
Olho para a próxima mesa, para uma próxima reflexão enquanto o café não vem. Sentada, de costas, uma moça. Cabelos caídos sobre os ombros. “Porra, ela parece a Janaína”, eu penso. Uma antiga namorada, do tempo em que os sonhos ainda estavam por aqui. Mas ela havia ido embora pra São Paulo e terminei com ela porque não queria namorar à distância. Será que ela havia voltado? Será que era ela?
Entro em um devaneio e me imagino caminhando até lá. Sentando na sua frente. Imagino que ela irá se surpreender ao me ver. “Nossa, você não mudou nada” ela vai dizer e eu vou sorrir e dizer que ela está ótima também. Vou falar dos anos que não nos vemos, das coisas que me aconteceram e que agora eu tenho uma coluna no jornal local sobre literatura e música. Vou dizer que sinto muito pelo que fiz e que sei que a magoei. Ela vai dizer que está tudo bem, que já faz tempo. Que agora ela está casada e tem um Atelier na Av. Riachuelo. Que conheceu o cara em São Paulo e por sorte ele foi transferido para Maringá, para gerenciar a agência do BB no centro. Vou perguntar se ela acha que teríamos dado certo, ela vai dizer que talvez, quem sabe, que era outra época e que éramos outras pessoas. Vou dizer que eu não mudei, que sou o mesmo, e ela vai dizer que todas as pessoas mudam, e eu vou saber, ali, naquele momento, que eu sempre estive fadado ao fracasso pessoal. E eu vou chorar por dentro, e vou querer dizer que estou sozinho e infeliz, mas vou me segurar e acabar não dizendo.
Ao sair dos meus pensamentos, me levanto e vou embora sem o meu café e sem saber se era ela, sentada, ali tão perto, lendo “O Amor Nos Tempos do Cólera” do García Marques.
Michel Gomes, de profissão, trabalha desenvolvendo projetos de interiores e móveis. De coração, quer mesmo é escrever enquanto o mundo desaba ao seu redor. Traduzir em palavras o que certas pessoas nem conseguem imaginar.Links do autor:
A ferrugem está na moda
Projeto Polaroid
terça-feira, 18 de janeiro de 2011
Prateleira de clichês
Após um bom tempo, estamos novamente publicando um texto de um convidado. Desta vez, convidei o Ðani_el Silva, que após muita insistência de minha parte, finalmente aceitou preparar um prato especial para nossa Marmita. No final do texto ele se apresenta.
"Prateleira de clichês"
por Ðani_el Silva
Rótulos. Modelos. Estereótipos.
Vire à direita, quem sabe à esquerda.
Pare. Siga.
Corra. Morra.
A pessoa perfeita.
O casamento perfeito.
O sexo perfeito.
O emprego perfeito.
Uma única vez.
É para isso que vives?
Beco sem saída.
Tira a máscara.
Quem perde menos tempo com o lamento, vive mais.
Por que não ter várias vezes perfeitas?
O que é a perfeição?
O que era bom ontem e não é mais hoje deixou de existir?
E os próximos cinquenta anos? Suicídio?
Não. Repetições.
Fraqueza demais pra tentar do teu jeito?
O que o ‘mundo’ pensa? Importa-te?
E o que tu pensa? Importa ao ‘mundo’?
Tens medo de gritar?
Algo te satisfaz ou és incapaz de te satisfazeres com algo?
E a parcela da tevê? Pagaste?
Ah! A tevê! Acho que agora direcionou tua atenção!
E se ela quebrar?
Se tudo queimar?
Tens o sol, a lua, o mar, os pássaros? Ou tanto faz?
E as horas? Tu as tem ou as gasta com o passado?
Ou será que o teu futuro é que toma conta delas?
E agora? Estás prostrado?
Nada a tua espera? Quem sabe tudo?
Não mata-te nesta noite.
Larga tudo. Pega tudo.
Bebe a vida.
Ou será que nem sede tu sentes mais?
Ðani_el Silva por ele mesmo:
"Não passo de um pseudo qualquer coisa... incompleto. Um pouco de tudo e nada de muito. Inteiros só minha sinceridade, minha simpatia e meu amor.
Ainda: formando em Arquivologia pela UFRGS e futuro acadêmico de Jornalismo".
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