Livros empoeirados na estante pedindo pra serem lidos, causam a tosse, a garganta seca e um princípio de morte que se aproxima dela, toda desajeitada, encostada na parede, se perguntando como foi parar naquele emprego estúpido de faxineira contrariando toda sua ideologia. Um trago escondido, o avental jogado na cadeira perto da escada e uma ideia. Subiu os degraus cantando qualquer coisa quase bela que aprendera nas aulas de piano aos sete anos de idade. Tão patrocinada por sua madrinha que acreditava ter batizado a sobrinha que nascera para a arte. Ao topo, vislumbrando livros novos encapados e coloridos, decidiu optar pelas possibilidades. Pulou. Como um suicídio. Como um grito de liberdade. Como um tombo que quebrasse sua perna e lhe daria uma licença médica e atestados. Precisava de férias. Pulou como um grito, um mergulho. Pulou de braços abertos e sentiu-se a faxineira pretensa a pianista mais desnecessária do mundo no instante em que um gato cutucava as garras no rosto dela. Acordada do salto, preparou um chá, ficou nua na biblioteca e fez um ritual comemorando o grito que ninguém ouviu. Tornou-se livre e se demitiu. Não era mais uma faxineira, nem pianista, não era ninguém.
Belo texto.
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