segunda-feira, 14 de março de 2011

Os refúgios da arte

Não era nas gravuras e retratos que se notava, e sim na disposição que ela escolhia para pendurar os quadros. Não estava nas notas emitidas a cada toque nas teclas de seu piano, e sim na forma como conduzia as mãos, no sorriso estampado no rosto conforme a melodia ia sendo executada. Não estava no andamento da canção que ela ouvia no rádio enquanto escrevia, estava na forma como acompanhava o ritmo, batendo com o lápis na mesa. Não tinha a ver com a combinação das cores que escolhia para os desenhos, estava no modo como ela misturava a tinta com a água, fazendo o pincel dançar na paleta. Não estava relacionado com a lista de compras, nem com a letra bem delineada, e sim com a forma que as palavras ficavam dispostas, transformando-se quase em um poema, mesmo se tratando de uma relação tão estática e imutável. Também não tinha nada a ver com os teóricos que estavam presentes em seus artigos, estava na forma com a qual ela combinava suas teses, fazendo com que se transformassem quase em compositores de uma canção pop.
Era uma vida dedicada à arte, mesmo que não houvesse esta denominação, mesmo que não tenha sido oficializada, nem determinada por uma carreira. Era a arte na sua forma mais simples, e ao mesmo tempo mais complexa: permeando todos os movimentos, todos os sentimentos, todas as sensações. E era assim mesmo que ela queria que fosse.

4 comentários:

  1. A arte de perceber o detalhe. É isso que este lindo texto mostra. Uma sensibilidade na percepção capaz de inverter a ordem, de pouco importar o objetivo do ato. Parabéns Márcio! É disso que gosto de ler! Obrigado!

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