sexta-feira, 17 de junho de 2011

E ela se jogou...

Infeliz. Sempre infeliz. Olhar fixo para tudo e nunca entender nada do que viam: era ela.

Sempre lhe questionavam incredulamente "você nunca consegue enxergar o que está na sua cara?", e ela nunca via, nunca fitava a vida daquele jeito, do jeito deles, ou como queriam.

Um dia ela abriu um vinho, tomou. Ela adorava mitologia grega. No primeiro gole ela gargalhou, queria se chamar Ares, mas não entendeu o porquê.

Ligou o som. Dançou. A garrafa esvaziou, ela estava bêbada. Pegou um caderno, sentou no chão e escreveu. Escreveu muito, tanto, a noite toda. Achou tudo aquilo que estava no papel lindo e inteligente, mas de uma forma que apenas ela entenderia, ela, aquele ela. Somente ela poderia decifrar. Dormiu.

Acordou tarde, às dez da manhã. A cabeça doía, mas pela primeira vez se sentiu viva, sentiu alguma coisa, era uma sensação de medo de um futuro desgastado. Ela podia tocar suas veias, seu sangue correndo, sua divindade.

Abriu o caderno, mas não entendeu absolutamente nada, a não ser uma frase imperativa "mude seu nome, nosso nome", e ela compreendeu: abriu outra garrafa de vinho e decidiu chamar-se Julia.

Julia nasceu enquanto outra morria. Era nascimento alimentando-se de morte, abandono. Se matou, se criou...


... e agora Julia compreende tudo. Sim, Julia compreende absolutamente tudo, mas o vazio continua vazio, pois há muito tempo o vazio está tão cheio...

quinta-feira, 2 de junho de 2011

O que é exatamente se jogar?

Pequena reflexão sobre um dos clichês inevitáveis da vida: as embalagens do achocolatado, o rótulo na garrafa de cerveja e o slogan do carro popular e suas frases imperativas. Às ordens, senhores de nossas vidas! 

Nos ordenam ir à caça, ao mergulho, a sermos nós mesmos, a nos jogarmos, a nos intensificarmos. Que covardes seríamos esperar pacientemente que o mundo mude, ou ainda, deixar com que uma marca nos diga quem devemos ser, não é mesmo?

Por outro lado, os dogmas, ou os mesmos rótulos, mas desta vez do telemarketing da funerária, do vendedor de carro tentando nos convencer a comprar o do airbag ou a empresa de segurança. Nos mandam não fazer nada que possamos nos arrepender depois. Dizem que toda ação tem uma reação - Newton discordaria disso, obviamente. Repetem que aqui se faz, aqui se paga.

Uma campanha limitada cheia de proibições e permissões desconexas tentando definir o que é ser livre. Temos a opção da margem e a do mergulho, mas o risco do afogamento é eminente. Além da absurda vontade de encontrar o oceano que esperamos, se jogar neste mar gigante é imoral, ilegal e engorda. O prazer é inegável, suportar julgamentos ignorantes dos que não suportam um ritmo diferente, é o desafio. Demanda coragem, já que as consequências provenientes do enfrentamento não são poucas. 

Descobrir quem somos é um eterno exercício de desconstrução e até saber minimamente sobre isso, nunca conhecemos o que queremos da vida. Se jogar é a tentativa de entender tudo de um jeito mais adequado a nós mesmos. O quanto pretendemos perder, ganhar, nosso conceito de valores, o contexto em que decidimos, o nível de importância de cada fator fragmentado de nossas vidas. Prazer e tortura fatídicos.

Mas penso que, a maior tragédia é viver com a dor de não ter tido a curiosidade de se aprofundar em si mesmo: a única coisa que realmente importava no fim de tudo. Afinal, todo o resto, o que fazemos pra deixar pro mundo, mesmo que nada, é uma extensão do que começamos - ou não começamos - em nós. 

Enjoy.