sexta-feira, 1 de junho de 2012

Tirando os heróis do armário

De uns meses pra cá voltei a me interessar por histórias em quadrinhos. Da época em que eu havia parado de vez com os comics, há mais ou menos uns 8 anos, até hoje, muita coisa mudou nesse seguimento. A qualidade das publicações no Brasil, principalmente. Abandonando o execrável formatinho, com seu papel jornal e suas cores horrorosas, as editoras investiram em encadernados e álbuns luxuosos. É muito legal ver como Milo Manara ou Neil Gaiman estão sendo publicados aqui. Ainda que o preço das edições seja bem superior ao do antigo formatinho, em boa parte dos casos vale a pena. Além disso, uma das coisas que me trouxe de volta a esse mundo foi a possibilidade de ler histórias antigas que sempre tive vontade mas nunca tive acesso, ou reler algumas histórias que sempre adorei com uma nova roupagem e um melhor tratamento. Acho interessante a discussão sobre o status de arte dos quadrinhos. Essa polêmica se estende desde o Menino Amarelo até os dias de hoje e está longe de ser resolvida. Pra mim histórias em quadrinhos são arte sim, mas eventualmente. Na maior parte do tempo é indústria e só. Mais ou menos como o cinema americano. Essa verdade é mais explícita no que tange aos quadrinhos de herói. Eventualmente uma grande história é publicada, desafiando os próprios limites que a linguagem dos quadrinhos apresenta, mas na maior parte do tempo é só enrolação pra vender revistas mensais cada vez piores, que precisam se rechear com eventos especiais (cada vez menos especiais devido a sua constante reciclagem), pra um público cada vez menos interessado em boas histórias. Para cada Watchmen da vida temos uma série de imposturas do nível de A Morte do Superman, para cada Reino do Amanhã besteiras gigantescas como Heróis Renascem. Uma história curta como Coyote Gospel (o Evangelho do Coiote) de Grant Morrison vale mais do que praticamente tudo que se publicou dos X-Men na última década. Mas esse tipo de história fica soterrada em meio às avalanches de revistas mensais e seus puta eventos que "estremecem todo o universo". Na década de 90 a onda das editoras de herói era fazer todos os personagens violentos, rangendo os dentes e distribuindo pancada pra todo lado. Uma "wolverinização" dos heróis. A moral americana tradicional, expressa em personagens como o Superman ou o Capitão América foi sendo abandonada e substituída por uma maneira funcional do herói encarar o problema: se matar o vilão resolve a parada, pau nele. Ainda que tal postura tenha rendido algumas boas histórias, explorando os limites entre o bem e o mal, o heroísmo e a vigilância, etc e tal, a maioria do que se viu foi só porrada sem sentido. A Image Comics inclusive era uma editora especializada nisso. Hoje a onda é a mesma. Os heróis continuam distantes da moral do american way of life na sua versão oficial (porque, na verdade, resolver tudo na porrada é o verdadeiro american way of life) e as revistas mensais continuam um desfile de argumentos fracos que se estendem por centenas de edições. As publicações de um herói se encavalam com as de outro pra aumentar a vendagem e se torna quase impossível ler uma boa história com começo, meio e fim. Mas uma coisa mudou: se antes a morte de um personagem (que dificilmente permaneceria morto) era o mote principal de um grande evento pra aumentar as vendas de uma revista mensal, hoje a ordem é transformar o personagem em gay. A Marvel fez isso com o Estrela-Polar, um personagem secundário, membro da secundária equipe Tropa-Alfa. O cara casou recentemente e tudo. Na esteira a DC havia anunciado que um personagem icônico de seu universo sairia do armário. Hoje foi anunciado que esse personagem é Alan Scott, o Lanterna Verde da era de ouro, hoje parte da Terra 2, uma das "realidades alternativas" do recentemente rebootado Universo DC. Scott, antes de todas essas mudanças, já foi um personagem com inclinações homofóbicas e já teve um filho gay, hoje ele é o mais novo herói a sair do armário. James Robinson, o roteirista responsável pela atual fase do personagem tenta em suas entrevistas dar a entender que a homossexualidade de Scott é algo tranquilo e normal, parte da proposta do universo DC em representar o mundo plural e multifacetado dos dias de hoje. Bacana isso. Pena que a DC não pensa assim. Todo um marketing canastrão foi preparado, escondendo quem seria o personagem mas reiterando que o mesmo era um ícone da DC. Alimentaram muitas especulações sobre quem seria o personagem até revelarem o Lanterna. E aí uma história que poderia realmente trabalhar para criar a ideia de que nada errado existe com os homossexuais acabou se tornando um mega evento, gerando exatamente o contrário do que se pretendia. Quando a editora faz isso, ela vende a imagem que os gays são animais tão exóticos que a existência de um herói gay merece ser alardiada durante semanas. "Vamos ser tolerantes com ele, deixá-lo beijar na boca e se casar, mas isso é tão anormal que merece uma edição especial". E é claro, tudo tem que ser feito da forma mais segura possível. Primeiro, os personagens do primeiro time, Batman, o Super e tal, não podem ser gays. Segundo, o gay vai pra Terra 2, mais fácil de ser descartada e esquecida se tudo der errado. Se vender muito podemos nos preparar pra uma onda de personagens se assumindo. Até parar de vender. Daí volta tudo ao que era antes, através de alguma reformulação inexplicável. Estrela-Polar talvez seja o único herói gay que tem chance de permanecer como tal, mas eu já não apostaria nisso em relação ao Lanterna. Assim como na década de 90 onde ninguém permanecia morto, duvido que alguém vai ficar gay muito tempo nos quadrinhos atuais. Ruim pros gays, pior ainda pros quadrinhos.

Um comentário: