quinta-feira, 28 de maio de 2009

Ars Erotica

Ruínas de templo com símbolos fálicos




O Alien de Giger e sua cabeça fálica

Pênis em uma portada em Pompéia com a inscrição Hic habitat felicita (aqui mora a felicidade)



Escultura babilônica representando uma relação sexual


A partir da década de sessenta há uma inversão na 'moral do gozo'. Se até aquele momento as pessoas se reprimiam guando sentiam prazer, se sentindo culpadas e pecadoras, com a liberação trazida pela revolução sexual a coisa muda de figura e as pessoas passam a se sentir culpadas por não gozarem. De fato, o mundo narcisista em que vivemos oferta uma quantidade nem sempre absorvível de possibilidades de gozo, e o indivíduo sente-se culpado por não poder aproveitar essas ofertas ao máximo. Isso é preocupante na medida em que analisamos que as formas antigas de sublimar o desejo, ou mesmo de realizá-lo, não funcionam mais. Antes neguinho queria comer a mãe e se mortificava por isso, hoje ele sente medo de não brochar na hora.

A lógica se inverte de uma forma muito perigosa, na medida em que conceitos iminentemente fabris, como o de eficiência, por exemplo, invadem nossa cama (invadiram toda realidade pós-industrial, é verdade). É preciso ter um grau de eficiência sempre elevado, um gozo cada vez maior, como uma alta constante na produção e no lucro. É preciso sempre mais. A metáfora da mecanização do gozo me veio ao folhear um livro do artista plástico H.R. Giger. Giger foi um pintor contemporâneo, que soube retratar como poucos a erotização como ligação do homem a um objeto, não necessariamente humano. Suas pinturas, de um cruel surrealismo, retratam bem aquelas projeções fálicas que Freud sublinhava como o signo do homem, em objetos industriais, armas, monstros, insetos humanóides (ou humanos insetóides como preferia Timothy Leary). Um de seus monstros, o famoso Alien, o oitavo passageiro da série de cinema dirigida por Riddley Scott tem um formato claramente fálico de cabeça. Mas não é só isso, em Giger temos montanhas que transam, cabos penetrando orifícios mecânicos vaginalmente úmidos, uma orgia que confunde o orgânico e o mecânico com tanta perícia que distinguir onde começa a carne e termina o metal é impossível. Não é atoa que a mais famosa série de suas pinturas tem por nome 'Biomecanóides', e retrate uma total e completa promiscuidade entre homem e máquina, numa lascívia que nos lembra que no mundo atual, em termos de sexo, somos todos objetos. Outra série de desenhos seus, chamados 'Wir Atomnkinder' (nós, os filhos atômicos) retrata bem a mitologia pós-nuclear, com seres deformados nas mais variadas situações, e tudo, obviamente, com uma certa dose de erotismo, ainda que muitas vezes dissimulado e encoberto pela crueldade de certas imagens.

Por mais escuras e violentas que as imagens de Giger sejam elas se inscrevem numa longa linhagem de arte erótica. Da pintura rupestre à artistas pop como Paolo Euleteri Serpieri o sexo é uma constante na produção artística humana. Exemplos temos aos milhares, como a da escultura babilônica que representa uma mulher 'de quatro' sendo penetrada, ou dos templos indianos adornados com centenas de imagens eróticas. A cidade de Pompéia, destruída por uma das maiores erupções vulcânicas da história, mas conservada pelas cinzas dessa mesma erupção nos legou uma quantidade enorme de arte erótica. Pênis que ornavam portas e traziam em volta a inscrição "aqui mora gente feliz", sinos de vento em formato fálico, vaginas estilizadas que serviam de pratos ou travessas, e mais uma variedade de peças. A impressão que fica é que a população de Pompéia, tal qual os macacos bonobos não faziam outra coisa senão sexo. Mas é interessante a objetivação do sexo, sua representação material, objetal. Não é porque não existiam sex shops que o homem antigo não vivia cercado de objetos que representavam genitálias. Existia uma religiosidade inerente ao sexo que o fazia ser adorado em imagens e templos. Nesse sentido, a obra de Giger nada mais faz que retratar a religiosidade de nossa época e sua relação com o sexo. Ora, o que pode existir de mais sagrado em um mundo capitalista do que a busca pela produção e eficiência a todo custo que a máquina e a fábrica representam? Não seriam a fábrica e o shopping novos templos de uma religião já nem tão nova? E porque o sexo não deve partilhar então dessa outra sacralidade? Porque não deve falar sua linguagem da eficiência e da mecanização? Da neura pelo aumento da produção à neura do aumento do prazer. Do gozo enquanto efetividade, sem libido por fim, mas como obrigação e como consumo desenfreado. Da perversão e da gula Se a arte é complemento de vida, as porcas e parafusos de Giger se encaixam com mais precisão do que podemos perceber, nos lembrando que ser humano é mais um agir que uma natureza.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Existe sexo demais?


Em 1992 eu tinha doze aninhos e era um menino inocente do interior de Minas Gerais. Daí a Madonna me lança o livro SEX com fotos que ela mesmo descreveu como sendo de suas "fantasias sexuais" e alguns textos eróticos. Lógico que foi um escândalo, e aquilo passou na tv incessantemente por dias. Dizer que minha inocência acabou por conta daquilo seria um pouco demais, mas as cenas que mostravam na televisão e deixavam meus pais ruborizados (na época nossa tv não tinha controle remoto e levantar pra desligá-la só aumentaria minha curiosidade, eu acho) colocaram uma pulga atrás da minha orelhinha pré-adolescente: o que tinha de errado com aquelas fotos pra todo mundo condenar aquela moça que cantava? Lógico que na época eu não sabia que por causa dos cristãos sexo era considerado pecaminoso, e a publicização do mesmo mais ainda. Interessante que os gregos eram inteiramente despudorados, assim como os índios, eles transavam onde queriam, e muitas vezes faziam questão de se exibir. Foram encontrados vasos retratando cenas de sexo entre casais abastados dos gregos, e todos sabem que entre eles, sobretudo na parte dórica da Grécia, as relações homossexuais eram vistas com uma certa naturalidade. Os romanos "privatizaram" o sexo. Com a criação da propriedade privada criou-se também a herança transmitida hereditariamente. Os pais, então, guardavam um quarto de tudo o que possuíam para legar aos filhos. Para guardar tudo isso criaram um cômodo na casa fechado por quatro paredes (ainda não existiam cômodos totalmente separados como temos hoje) e que serviria de cofre (por isso o seu quarto se chama quarto, sacou?). Para transferir a cama para lá pra possibilitar a guarda noturna dos bens foi um pulo, para começar a transar ali menos que isso. Pronto, agora sexo era algo privado. Os cristãos pioraram tudo com a doutrina do pecado original e Paulo mandando o povo arrancar um olho se esse o fizesse pecar. Claro que ele não se referia ao olho, e São Orígenes entendeu isso muito bem, porque para não se render à concupiscência castrou-se, no que foi seguido por diversos devotos, anote-se, e gerou a proibição canônica à automutilação, proibição que antes dele não existia.


O fato é que o sexo como fator sócio cultural ainda é algo que rende assunto. Talvez porque não existam limites para a imaginação humana nesse quesito. De fato, do Kama Sutra à escatologia o homem prova que quando o assunto é sacanagem ele entende do riscado e gosta. Mas há uma questão aqui que nos remonta à já citada Madonna. Por mais insinuante que o livro da rainha do pop seja (tem cenas que sugerem lesbianismo, sexo grupal, sexo hardcore, sadomasoquismo, escatologia, etc.), o livro chocou mais, creio eu, não pelas insinuações, mas pelo fato de que Madonna não aparece realmente transando nas cenas. Se o fizesse seria só mais uma atriz pornô, mas ela mexeu num tabu ainda maior: a masturbação. Numa cena clássica ela está vestida de couro e se masturbando. A masturbação é um tabu milenar, e nem adianta culpar os cristãos por ele (apesar de eles terem tornado a proibição um pecado). Os hindus pré-arianos condenavam a masturbação como um desperdício de energia vital. Os povos ibéricos também. Na região rural mexicana o gozo é chamado de "muerte chiquitita", algo como pequena morte, e aquele que se masturba antecipa o fim de seus dias. Na Bíblia, Onan desperdiça sua semente, provocando a Ira de Deus (que não tinha lá muito o que fazer, convenhamos) o condenando a ser o último dos homens, e dando um nome àqueles que se dedicavam (e se dedicam) aos prazeres solitários: onanistas. O Emílio, livro de educação infantil escrito por Rosseau, está recheado de condenações ao sexo e à masturbação. E na França moderna, até o início do século XX, crianças flagradas se masturbando iam pra cadeia.


Interessante é que na era da pornografia o tabu da masturbação ainda persista. Interessante porque basta uma mirada superficial pelos sites que oferecem conteúdo adulto pra enxergar a masturbação como o mais inocente dos prazeres. Tem de tudo: dupla penetração anal, sexo com anões, animais e políticos (eca! gente doente), simulações de estupro, coprofilia e todo tipo de fetiche perverso. O que mais faz pensar é que quanto mais se investe na culpa pelos desvios sexuais, mais esses desvios saltam na nossa cara. E quanto mais culpa, mais vontade de nos metermos (perdão do trocadilho) neles nós temos. De fato, práticas antes comuns somente nos vídeos da Cicciolina e Silvia Saint, como a troca de casais e o sexo grupal, hoje fazem parte do repertório do jovem de classe média das grandes cidades. Belo Horizonte, por exemplo, tem um número crescente de casas que oferecem esse tipo de serviço. A pornografia mesmo muda seu conteúdo. Hoje existem garotas especialistas em coisas que antes pareceriam absurdas, como tripla (sério!) penetração anal. O triste de isso tudo é que as pessoas deixam de descobrir a própria sexualidade para imitar o ato alheio. E o sexo mesmo passa a ser um recorte obsceno de nossa realidade, com todos seus despudores e exageros. O obsceno é o que está demais, que ultrapassa o aceitável, o regular. É extraordinário no mal sentido. E é mais ou menos isso que está acontecendo no mundo agora. Como diria a vagina cantante de "Senta no meu que eu entro na sua", uma produção semi pornô do cinema brasileiro, que tinha além da vagina falante um homem que viu um pênis nascer no meio de sua testa: "isso me dá tic-tic nervoso".

quarta-feira, 20 de maio de 2009

reticências...

Se um amor te fosse completo, você o rejeitaria? - não o que esperava ou como sempre contavam que seria, mas um amor , simplesmente.
Se tivesse a chance de ignorar qualquer sentimento que lhe assombrasse, escolheria ter controle sobre eles? - mesmo que isso te levasse algumas emoções, ou que não desejar o controle, te levasse a possibilidade de conhecer a felicidade, mesmo que momentânea, se tivesse poder sobre tudo que lhe aconteceria? Tentador...
Se houvesse outra oportunidade de tentar algo que fracassou, tentaria? - ainda que tenha doído muito, quase insuportavelmente e pudesse voltar a doer.
Se a vida fosse mais difícil e pudesse escolher não ter nascido, escolheria? - talvez teria sido uma forma mais "fácil" de viver a vida: morrendo antes de conhecê-la. (sorry pela piada).
Se te fosse permitido ir pra longe, mudaria o seu caminho? - você gostaria de ver uma estrada diferente, com o oposto de tudo aquilo que te assombra na vida, mas já pensou que outros fantasmas (dos quais você não tem hoje) te fariam desejar o que tens agora?
Se tivesse que fazer todas as escolhas, sobre as coisas mais importantes da sua vida, tornando-as unificadas, sem poder usufruir de mais que uma de cada categoria, saberia tomar a decisão correta? - entre maçã vermelha e maçã verde, saberia qual delas queria saborear pelo resto da vida, como escolha definitiva?
Se a mudança fosse só uma questão de escolha e não houvesse medo, nem dificuldades tão desconhecidas, mudaria com mais frequência? - a mudança é um impedimento e você acostumou-se ao hábito, e se ela fosse livre? não acha que a evitaria ainda mais?
Se não houvessem regras, em nenhuma espécie que possa imaginar, acha que saberia discernir entre certo e errado? - a sedução pelos seus prazeres egoístas não te faria ainda mais cego do que és?
Se precisasse pular um ano de sua vida, saberia pular aquele que não te tiraria nada do que tens, julgando sabiamente que, as perdas também te constroem? - eu acho que se enganaria na ilusão de que sofrimento não traz nada.
Se fosse pra uma ilha deserta e tivesse só uma opção do que levar, acha que antes de saber como é estar lá, saberia o que mais necessitaria pra sentir-se mais confortável? - ou trocaria a incrível experiência que é estar lá pela covardia de levar uma companhia (mesmo que material), precipitando-se no conceito de que estar numa ilha deserta é entediante?
Se tivesse amigos de verdade, admitiria que os que tem hoje são apenas pessoas que interpretam muito bem a arte de enxergar uma conveniência em ti e desfrutá-la? - talvez ainda quisesse enganar-se de que a maioria dos que te cercam vêem em você um exemplo ou uma genialidade única. Não que não sejas, mas, quem valoriza o quê em você? Descubra.
Se um gênio da lâmpada surgisse e lhe desse um pedido, mas que fosse universal, você teria certeza que pedir que a fome e miséria do mundo terminassem, seria a melhor alternativa para a humanidade? - exterminar a dor do outro, seria a melhor maneira de resolver as coisas ou é a sua culpa que diz que é assim que tem que ser?
Se fosse capaz de libertar o ser humano de um de seus vícios mundanos, escolheria que o cigarro, a prostituição ou as drogas ilícitas fossem soprados do mundo, só porque você acha que este é o grande mal? - pretensioso pensar que sabe tudo olhando para apenas um dos milhões de horizontes que existem ao seu redor.
Se eu eliminasse as possibilidades de sua vida, a ditasse como achasse que fosse melhor pra você, pararia de usar o "se" como desculpa pra nunca cumprir o que promete a si mesmo? - entenda seus motivos, só eles te libertam da prisão que você se auto-condena colocando-se num quarto escuro e sem chaves que chama de alma cuidadosa e tranquila.
Se o céu fosse apenas um lustre bonito pra te lembrar que a vida também é bela, pararia de pensar que há algo ali que pode te salvar de você mesmo? - tiraria dele toda a responsabilidade por fazer milagres em sua vida e... viveria?
Se você mergulhasse, se afogasse, morresse; tivesse oportunidade de voltar e consertar sua vida, o faria? - creio que a resposta unânime seja sim, mas, se não houve tempo para fazer direito, quando encontraria tempo pra fazer de novo, mesmo tendo outra chance?
Se este texto tivesse um fim, qual pontuação eu deveria colocar por último? - exclamação por achar absurda todas as faltas que comete contra ti mesmo, ponto final para que entendesse que tudo que digo é irreversível, uma interrogação para que você pense melhor no que tem feito de si mesmo? Acho que eu devo terminar com reticências para que você possa... continuar!...

terça-feira, 12 de maio de 2009

Um acalanto no adeus

Recebi um telefonema, Eduardo me convidara para jantar com ele naquela noite. Iríamos a algum tradicional restaurante, sempre íamos. Arrumei-me como sempre me arrumo, sem muita atenção (ou seja, sempre tive certa preguiça de me vestir ‘atraentemente’, e inexplicavelmente isso atrai).

O Eduardo sempre foi um homem fantástico, e eu o amava. Amava a vida que tínhamos, amava que ele aceitasse a minha forma de não ver o mundo. Era um homem bonito fisicamente, inteligente, carinhoso, sarcástico... Eu amava estar ao lado dele por prazer.

No restaurante, enquanto tomávamos uma taça de vinho, eu roçava meus dedos na borda da taça, pensava em qualquer coisa aleatória que não era o jantar em si. E foi quando ele tocou de leve em minhas mãos, e me olhou com um olhar atraente, um olhar intenso, profundo como se fosse um estranho em quem eu confiasse e que me convidasse silenciosamente para ir com ele para qualquer lugar que, sequer, eu tenha ouvido falar. Sorri de leve ao perceber que o conhecia muito bem, e que ele não me era nada estranho.

O jantar ia passando, as horas iam sendo esquecidas. Eu ria como criança, sem muito me preocupar com a altura da voz ou a maneira como me porto ao rir. E ele adorava tudo aquilo. Adorava meu jeito espontâneo de esquecer que outras pessoas nos observavam, de sorrir ao garçom, que por vezes falava algo além do obrigatório... Nos amávamos.

Ele me disse certa vez que gostava muito de me ver dormir, que eu parecia tão distante. Que eu sempre me deito sozinha, e que ele é quem tem de chegar perto. Que por mim, até dormiríamos em camas separadas (nunca gostei da meiguice comum e chata da idéia romântico-fracassada do ‘dormir de conchinha’. As pessoas são tão óbvias e iguais que me irrito facilmente.).

Pedimos a conta, e ao sairmos do restaurante, ele disse que queria me levar a um lugar especial. Minha mente viajou incansavelmente à procura de tal lugar, e por fim contentei-me em saber que não seria um lugar qualquer, comum... relevante. Entramos no carro e ele me deu o roteiro (adorava dirigir, e não gosto de conversar em quanto dirijo. Me sinto como ‘Anakin Skywalker’ pilotando em fuga por alguma hiper-estrada), chegamos a uma praça, onde pessoas caminhavam. Saí do carro e abri a porta para ele (sim, às vezes eu bancava o ‘pseudo-cavalheiro’.) e sorri... gargalhei. Demos os braços como dois bons amigos, e nos colocamos a andar, em nível bem menos frenético do que os que faziam caminhada. Olhei para uma mulher muito bonita e de pernas bem torneadas, lado a lado com um homem igualmente bonito, e comentei “quantas horas eles desperdiçaram por aqueles corpos? Quantos livros deixaram de ler?”, Eduardo apenas cantou “deixando a profundidade de lado...”.

Enquanto andávamos, conversávamos sobre assuntos dos mais diversos, dos mais interessantes. Amava de tesão conversar com Eduardo. Mas, de repente, algo aconteceu. Ele me virou bruscamente, olhou em meus olhos, e disse-me “Aline, quero me casar com você. Mas, por Deus, não me responda nem que sim, nem que não. Você não é capaz de uma decisão destas às pressas. Pense sobre e me avise depois. Apesar de o resultado ser indiferente. Estaremos juntos independentemente da resposta.”. Eu fiquei imóvel, incrédula “como aquele patife pôde me propor algo assim?”. Ele aproximou-se de meu rosto, segurou-o e deu-me um beijo nos olhos (ele sabe que eu amo quando faz isso), e saiu. Pegou um taxi e foi embora.

Não sabia o que pensar, aliás, eu não queria me casar, e não casaria. Foi então que eu soube, que eu vi: o amava por ele ser eu, por ele me divertir, por ele me deixar viver como quero. Como se há muito já tivesse conhecimento de tal pensamento, decidi, naquele momento, que não amaria alguém que amasse em mim... apenas o que amo em mim mesma. Não preciso de alguém para ser o meu reflexo. Nunca mais deixei que beijassem meus olhos.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Uma eternidade






"E aqui estou eu sozinho com o tempo / O tempo que você me pediu / Isso é orgulho do passado / um presente pra você / Uma delicada lembrança / Branca neve que nunca senti / Solidão me deixe forte / Talvez resolva meus problemas / Eu morreria por você / Na guerra ou na paz / Eu morreria por você / Sem saber como sou capaz". "Mudança de Comportamento", Ira!

O elevador não parou. Foi além do décimo primeiro andar, que era o local onde seria realizada a reunião. Comemorou a feliz coincidência naquele momento infeliz. Não se interessava por reunião nenhuma. Pelo contrário: estava cheio daquilo tudo. Foi parar no terraço do prédio, no vigésimo. Saiu, seguiu em frente. Achou um canto e se sentou. Não havia ninguém ali. Teve vontade de abrir a pasta e jogar todos os relatórios pelo ar, aproveitando-se da altura do local onde se encontrava. Aquele trecho da Avenida Paulista ficaria repleto de papéis com números impressos, restos de um planejamento financeiro que levou semanas para ser concluído, e que para ele já não fazia mais sentido algum. Não teve coragem, mas jogou a agenda, o último representante de uma vida regrada e automática. Um pouco de aleatoriedade não faria mal.
A insegurança chegou por meio de um velho conhecido, aquele que já foi amigo e inimigo, e que naquele momento lhe fazia companhia. Um pedido atendido a contragosto, vindo de quem ele mais amava, por quem ele faria os sacrifícios mais espetaculares. Tomando consciência disso, resolveu jogar lá do alto também seu relógio de pulso, o maior símbolo desta companhia indesejada. E neste momento, tornou-se dono do próprio destino, atirou o tempo pelos ares, a fim de que ele parasse, junto com a pequena máquina espatifada no meio-fio da grande avenida.
Foi quando ela surgiu. Sentou-se ao seu lado, fez-lhe um afago e se deixou ficar. Ele se apaixonou imediatamente, esqueceu-se de tudo o que lhe afligia, se dedicou inteiramente àquela paixão, como se ela tivesse surgido antes de sua própria existência, pediu que ela nunca o deixasse, que ficasse ao seu lado para sempre. Ela refutou a possibilidade, disse que não era o melhor que poderia oferecer. “Pode durar uma eternidade, e pode não ser o que você sempre quis”. Ele se decepcionou ao constatar que novamente o tempo era o pivô de sua frustração. Ela continuou: “Pode virar uma necessidade, mesmo que você não se sinta feliz”.



E dizendo isso, ela caminhou até a beira do prédio e desapareceu no ar. A última coisa da qual ele se lembra foi de correr até lá e gritar, desesperado. A cena seguinte se deu ao observar o teto e as paredes brancas e notar que estava deitado em um leito de hospital. Soube que havia sido encontrado em estado de choque. Temeram que ele se jogasse. Perguntou aos amigos se descobriram quem era ela. “Ela quem?”, foi o que ouviu deles. Não houve registro nenhum de acidente ou suicídio na região. Sendo assim, tudo não passaria de uma ilusão? Ela então nunca existiu?
Meses depois, a vida voltou ao normal, com a diferença de que não usava mais agenda nem relógio, os velhos sinais de algo que para ele não era mais significativo. Escolheu uma profissão menos burocrática, mais artesanal. Mudou-se de cidade, foi se esconder pelo interior. Uma pausa para o café no centro da cidade foi a forma que escolheu para coroar sua chegada ao novo lar. E tudo seria natural, não fosse aquela moça que parou ao seu lado para perguntar que horas eram...





Nota: este seria o Mojo Single que eu escrevi para a música do Ira! citada logo acima, mas infelizmente ultrapassei o limite desejável de caracteres. Sendo assim, compartilhei com vocês esta nova criação. Espero que tenham gostado.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Com muito orgulho, com muito amor.

Porque eu gosto de futebol, sabe? Os pequenos detalhes que nos enfeitiçam olhando fixamente para o campo, com milhares de pessoas tentando vencer o seu limite - não só 22 jogadores. Uma pequena bola rolando no gramado, as torcidas enlouquecidamente apaixonadas entoando seu grito de guerra, pulando, comemorando, roendo unhas, fazendo as caretas mais desesperadas e engraçadas, chorando, sorrindo, contemplando o belo. Seja dentro dos estádios, no telão do bar, na calçada com os vizinhos, no meio da sala com um balde de pipoca que cai a cada risco de tomar e/ou fazer um gol.
Porque eu gosto do torcedor que chora, que vibra, que contagia seu time. Porque eu gosto de ver a bola rodando, fazendo movimentos mágicos e imaginar que, muitas vezes, esta magia foi genialmente arquitetada por um analfabeto tão subestimado; saído de alguma favela de vida sofrida de nosso país tão carente de verdadeiras alegrias.Porque eu gosto dos debates, dos programas de futebol, da técnica apresentada, das arbitragens impecáveis ou que, se erram, lamentam o erro.

Porque gosto das camisas de futebol - sempre quis colecionar - , das provocações saudáveis entre times adversários, da festa que se faz quando o time é campeão ou alcança a vitória. Ou simplesmente da festa que se faz porque a torcida respeita seu time e sabe o quanto ele se dedicou, mesmo tendo perdido, porque sabem quando o adversário merece o mérito que obteve da vitória.

Porque eu tenho uma relação muito mais afetiva que competitiva com o futebol. E por isso me chateio, de uma forma geral, com algumas piadas e palavrões pejorativos, que enfeiam o futebol. Lamento a falta de espírito esportivo, e quando chamam de amor uma doença que expressam pelo time, disfarçada de carinho incondicional, e que por ele, tudo vale: morrer, matar - princípios básicos de uma guerra religiosa.

Porque futebol não é esporte, é arte.

Porque me irritam dois tipos de pessoas no futebol:

1) o torcedor violento e/ou que diz entender de futebol porque decora meia dúzia de datas e sabe proclamar as piadinhas mais ofensivas às torcidas adversárias (confesso que odeio a maioria destas piadinhas!).

2) os diretores, administradores, poderosos da CBF ou das federações, que usam a beleza do futebol e o amor que a torcida sente por cada um de seus times, para ganhar mais dinheiro e poder. Estes estupram nossos sentimentos, manipulam resultados, se corrompem, compram favores e vendem favores. Estes sujam o nome dos clubes que representam, e perdoem-me os mais intransigentes, mas nenhum torcedor se sente feliz com os abusos financeiros, políticos e econômicos que sofrem os times do coração. Nenhum torcedor escolheria, pra favorecer ou prejudicar outros times, que algo além de honestidade e magia em campo prevalecesse. Mas é claro que a ameaça humana de comprometer a imagem do futebol, um dos negócios mais bem sucedidos de todos os tempos, não deixaria passar as oportunidades.

Porque o futebol não merece estas pessoas, que não são torcedores, nem representantes: são bandidos.


Porque eu fico muito feliz quando o sentimentalismo, o romantismo do futebol, fala mais alto que a ganância humana e grita pelos quatro cantos do estádio que o amor, este amor incondicional, nada faz parar este amor.


Eu AMO futebol! (L)