O Alien de Giger e sua cabeça fálica
Pênis em uma portada em Pompéia com a inscrição Hic habitat felicita (aqui mora a felicidade)
Escultura babilônica representando uma relação sexual
A partir da década de sessenta há uma inversão na 'moral do gozo'. Se até aquele momento as pessoas se reprimiam guando sentiam prazer, se sentindo culpadas e pecadoras, com a liberação trazida pela revolução sexual a coisa muda de figura e as pessoas passam a se sentir culpadas por não gozarem. De fato, o mundo narcisista em que vivemos oferta uma quantidade nem sempre absorvível de possibilidades de gozo, e o indivíduo sente-se culpado por não poder aproveitar essas ofertas ao máximo. Isso é preocupante na medida em que analisamos que as formas antigas de sublimar o desejo, ou mesmo de realizá-lo, não funcionam mais. Antes neguinho queria comer a mãe e se mortificava por isso, hoje ele sente medo de não brochar na hora.
A lógica se inverte de uma forma muito perigosa, na medida em que conceitos iminentemente fabris, como o de eficiência, por exemplo, invadem nossa cama (invadiram toda realidade pós-industrial, é verdade). É preciso ter um grau de eficiência sempre elevado, um gozo cada vez maior, como uma alta constante na produção e no lucro. É preciso sempre mais. A metáfora da mecanização do gozo me veio ao folhear um livro do artista plástico H.R. Giger. Giger foi um pintor contemporâneo, que soube retratar como poucos a erotização como ligação do homem a um objeto, não necessariamente humano. Suas pinturas, de um cruel surrealismo, retratam bem aquelas projeções fálicas que Freud sublinhava como o signo do homem, em objetos industriais, armas, monstros, insetos humanóides (ou humanos insetóides como preferia Timothy Leary). Um de seus monstros, o famoso Alien, o oitavo passageiro da série de cinema dirigida por Riddley Scott tem um formato claramente fálico de cabeça. Mas não é só isso, em Giger temos montanhas que transam, cabos penetrando orifícios mecânicos vaginalmente úmidos, uma orgia que confunde o orgânico e o mecânico com tanta perícia que distinguir onde começa a carne e termina o metal é impossível. Não é atoa que a mais famosa série de suas pinturas tem por nome 'Biomecanóides', e retrate uma total e completa promiscuidade entre homem e máquina, numa lascívia que nos lembra que no mundo atual, em termos de sexo, somos todos objetos. Outra série de desenhos seus, chamados 'Wir Atomnkinder' (nós, os filhos atômicos) retrata bem a mitologia pós-nuclear, com seres deformados nas mais variadas situações, e tudo, obviamente, com uma certa dose de erotismo, ainda que muitas vezes dissimulado e encoberto pela crueldade de certas imagens.
Por mais escuras e violentas que as imagens de Giger sejam elas se inscrevem numa longa linhagem de arte erótica. Da pintura rupestre à artistas pop como Paolo Euleteri Serpieri o sexo é uma constante na produção artística humana. Exemplos temos aos milhares, como a da escultura babilônica que representa uma mulher 'de quatro' sendo penetrada, ou dos templos indianos adornados com centenas de imagens eróticas. A cidade de Pompéia, destruída por uma das maiores erupções vulcânicas da história, mas conservada pelas cinzas dessa mesma erupção nos legou uma quantidade enorme de arte erótica. Pênis que ornavam portas e traziam em volta a inscrição "aqui mora gente feliz", sinos de vento em formato fálico, vaginas estilizadas que serviam de pratos ou travessas, e mais uma variedade de peças. A impressão que fica é que a população de Pompéia, tal qual os macacos bonobos não faziam outra coisa senão sexo. Mas é interessante a objetivação do sexo, sua representação material, objetal. Não é porque não existiam sex shops que o homem antigo não vivia cercado de objetos que representavam genitálias. Existia uma religiosidade inerente ao sexo que o fazia ser adorado em imagens e templos. Nesse sentido, a obra de Giger nada mais faz que retratar a religiosidade de nossa época e sua relação com o sexo. Ora, o que pode existir de mais sagrado em um mundo capitalista do que a busca pela produção e eficiência a todo custo que a máquina e a fábrica representam? Não seriam a fábrica e o shopping novos templos de uma religião já nem tão nova? E porque o sexo não deve partilhar então dessa outra sacralidade? Porque não deve falar sua linguagem da eficiência e da mecanização? Da neura pelo aumento da produção à neura do aumento do prazer. Do gozo enquanto efetividade, sem libido por fim, mas como obrigação e como consumo desenfreado. Da perversão e da gula Se a arte é complemento de vida, as porcas e parafusos de Giger se encaixam com mais precisão do que podemos perceber, nos lembrando que ser humano é mais um agir que uma natureza.
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