quarta-feira, 27 de maio de 2009

Existe sexo demais?


Em 1992 eu tinha doze aninhos e era um menino inocente do interior de Minas Gerais. Daí a Madonna me lança o livro SEX com fotos que ela mesmo descreveu como sendo de suas "fantasias sexuais" e alguns textos eróticos. Lógico que foi um escândalo, e aquilo passou na tv incessantemente por dias. Dizer que minha inocência acabou por conta daquilo seria um pouco demais, mas as cenas que mostravam na televisão e deixavam meus pais ruborizados (na época nossa tv não tinha controle remoto e levantar pra desligá-la só aumentaria minha curiosidade, eu acho) colocaram uma pulga atrás da minha orelhinha pré-adolescente: o que tinha de errado com aquelas fotos pra todo mundo condenar aquela moça que cantava? Lógico que na época eu não sabia que por causa dos cristãos sexo era considerado pecaminoso, e a publicização do mesmo mais ainda. Interessante que os gregos eram inteiramente despudorados, assim como os índios, eles transavam onde queriam, e muitas vezes faziam questão de se exibir. Foram encontrados vasos retratando cenas de sexo entre casais abastados dos gregos, e todos sabem que entre eles, sobretudo na parte dórica da Grécia, as relações homossexuais eram vistas com uma certa naturalidade. Os romanos "privatizaram" o sexo. Com a criação da propriedade privada criou-se também a herança transmitida hereditariamente. Os pais, então, guardavam um quarto de tudo o que possuíam para legar aos filhos. Para guardar tudo isso criaram um cômodo na casa fechado por quatro paredes (ainda não existiam cômodos totalmente separados como temos hoje) e que serviria de cofre (por isso o seu quarto se chama quarto, sacou?). Para transferir a cama para lá pra possibilitar a guarda noturna dos bens foi um pulo, para começar a transar ali menos que isso. Pronto, agora sexo era algo privado. Os cristãos pioraram tudo com a doutrina do pecado original e Paulo mandando o povo arrancar um olho se esse o fizesse pecar. Claro que ele não se referia ao olho, e São Orígenes entendeu isso muito bem, porque para não se render à concupiscência castrou-se, no que foi seguido por diversos devotos, anote-se, e gerou a proibição canônica à automutilação, proibição que antes dele não existia.


O fato é que o sexo como fator sócio cultural ainda é algo que rende assunto. Talvez porque não existam limites para a imaginação humana nesse quesito. De fato, do Kama Sutra à escatologia o homem prova que quando o assunto é sacanagem ele entende do riscado e gosta. Mas há uma questão aqui que nos remonta à já citada Madonna. Por mais insinuante que o livro da rainha do pop seja (tem cenas que sugerem lesbianismo, sexo grupal, sexo hardcore, sadomasoquismo, escatologia, etc.), o livro chocou mais, creio eu, não pelas insinuações, mas pelo fato de que Madonna não aparece realmente transando nas cenas. Se o fizesse seria só mais uma atriz pornô, mas ela mexeu num tabu ainda maior: a masturbação. Numa cena clássica ela está vestida de couro e se masturbando. A masturbação é um tabu milenar, e nem adianta culpar os cristãos por ele (apesar de eles terem tornado a proibição um pecado). Os hindus pré-arianos condenavam a masturbação como um desperdício de energia vital. Os povos ibéricos também. Na região rural mexicana o gozo é chamado de "muerte chiquitita", algo como pequena morte, e aquele que se masturba antecipa o fim de seus dias. Na Bíblia, Onan desperdiça sua semente, provocando a Ira de Deus (que não tinha lá muito o que fazer, convenhamos) o condenando a ser o último dos homens, e dando um nome àqueles que se dedicavam (e se dedicam) aos prazeres solitários: onanistas. O Emílio, livro de educação infantil escrito por Rosseau, está recheado de condenações ao sexo e à masturbação. E na França moderna, até o início do século XX, crianças flagradas se masturbando iam pra cadeia.


Interessante é que na era da pornografia o tabu da masturbação ainda persista. Interessante porque basta uma mirada superficial pelos sites que oferecem conteúdo adulto pra enxergar a masturbação como o mais inocente dos prazeres. Tem de tudo: dupla penetração anal, sexo com anões, animais e políticos (eca! gente doente), simulações de estupro, coprofilia e todo tipo de fetiche perverso. O que mais faz pensar é que quanto mais se investe na culpa pelos desvios sexuais, mais esses desvios saltam na nossa cara. E quanto mais culpa, mais vontade de nos metermos (perdão do trocadilho) neles nós temos. De fato, práticas antes comuns somente nos vídeos da Cicciolina e Silvia Saint, como a troca de casais e o sexo grupal, hoje fazem parte do repertório do jovem de classe média das grandes cidades. Belo Horizonte, por exemplo, tem um número crescente de casas que oferecem esse tipo de serviço. A pornografia mesmo muda seu conteúdo. Hoje existem garotas especialistas em coisas que antes pareceriam absurdas, como tripla (sério!) penetração anal. O triste de isso tudo é que as pessoas deixam de descobrir a própria sexualidade para imitar o ato alheio. E o sexo mesmo passa a ser um recorte obsceno de nossa realidade, com todos seus despudores e exageros. O obsceno é o que está demais, que ultrapassa o aceitável, o regular. É extraordinário no mal sentido. E é mais ou menos isso que está acontecendo no mundo agora. Como diria a vagina cantante de "Senta no meu que eu entro na sua", uma produção semi pornô do cinema brasileiro, que tinha além da vagina falante um homem que viu um pênis nascer no meio de sua testa: "isso me dá tic-tic nervoso".

3 comentários:

  1. Ramonzito!!

    Texto excelente, como sempre...

    Estamos entre dois pólos: ser casto ou ser pevertido.. Assim como Aristóteles, prefiro o meio-termo, pra não perder a graça.. Afinal, tudo em excesso perde uma pouco de graça. Sexo é bom, é saúde, é goXtoso, mas sua banalização é deplorável. Não que somente se faça sexo por "amor", porque uma coisa também não vincula à outra. Separemos as esferas... Se for feito com "amor", mais goXtoso ainda, oras. Mas se for apenas para o prazer e apreciação do corpo, por que não?! Nâo sou fã da galera que expõem, ou que tornan uma coisa tão boa em algo escroto e nojento (poxa, sexo com político? MON DIO!). Lembro-me do filme Irreversível (ainda que preguiçoso, por retomar Traição e Amnésia), em que há uma lugar em que chega a assustar a depravação sexual ali cometida, e olhe que costume me achar beeeem liberal. Não há parâmetros para o sexo, também não gosto dos que punem ou torcem o nariz para quem faça sexo pelo sexo; o problema começa quando ultrapassam-se os limites do "aceitável". Ainda que fã de Sade, e tu sabes muito bem disso, vejo no divino Marquês mais uma chacoalhada do que "lições" sexuais (se bem que nem tudo ali é impossível, apesar de humanamente improvável...). Essa galera que é pevertida, e gosta que todos saibam que são, são complicadas. Cada uma sabe de si.. A Madonna quebrou tabus, claro! Numa sociedade hipócrita, nada melhor do que ir além do permitido. Deturpar tudo que é sacanagem (literalmente)...

    Bisous!

    PS.:
    Agora : "...existem garotas especialistas em coisas que antes pareceriam absurdas, como tripla (sério!) penetração anal", PQP!!!!!! O_O

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  2. Estava ontem mesmo numa guerra sobre o filme "Do começo ao fim", que infelizmente está sendo aclamado por uma galerinha que se diz "moderna"; quando disse que achava o filme nojento me recriminaram e acabei compartilhando dessa opinião: "Achar incesto combinado como homossexualidade algo nojento é um "moralismo tosco"? Vai dar a bunda pro seu pai então. Mostra que você é cult e liberal."

    Bom, com toda essa quebra de tabus muita gente confundiu a noção com a falta dela.. tenho notado isso nas pessoas (cada vez mais). Estão se perdendo por algo que talvez nem possamos chamar de prazeroso... triste.

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  3. Penso eu que a humanidade em muito retrocede. Os tempo de hoje se assemelham aos tempos antigos em que o sexo era livremente explorado, a homossexualidade era natural e aonde a criança não tinha sua infância preservada.

    Claro que não apoio certas repressões. A bíblia, por exemplo, não proíbe o sexo, ela apenas o restringe para a proteção do próprio ser humano. Infelizmente, muitos confundem religião e Deus. Quando se cria tabus levantam-se juntamente com eles pessoas prontas a quebrá-los. Existe uma infinidade de cristãos que distorcem as escrituras e os ensinamentos de Jesus e todas essas proibições acabam por distanciar cada vez mais as pessoas de Deus, tendo-se em vista a infundada associação que fazem entre Deus e religião. Trata-se de quando a igreja proíbe o prazer entre os casais e o uso da camisinha ao invez de reprimir os abusos sexuais que ocorrem dentro da própria igreja. A religiosidade me soa hipocrisia, profana e degenerada e nada tem de divino. Muito de homens e nada de Deus.

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