quarta-feira, 8 de setembro de 2010

A liberdade de um parágrafo só

Após um grande período sem a presença de convidados, temos um novo texto de alguém de fora do nosso coletivo. A amiga Madý assina este novo texto, feito sob encomenda para nossa Marmita Filosófica. E nossas novidades não se encerram por aqui. Para os próximos dias, aguardem mais um novo material no nosso coletivo.
"A liberdade de um parágrafo só", por Madý*

Depois de duas horas de conversa, Joãozinho meteu-se a falar do que era ser livre. Ele dizia que queria viajar, que queria aprender outros idiomas, que queria comer chocolate suíço porque era mais saudável que o Talento que tantas vezes Mariazinha lhe dera. Falou, falou, falou. Por vezes, disse que o fato de não preocupar-se com quanto lhe restaria em conta a cada vez que comesse em algum restaurante caro também era liberdade. Disse também que queria ter uma casa em cada canto do mundo, que queria que seu projeto artístico chegasse a tal ponto, que inúmeras pessoas trabalhariam em consonância e pelo mesmo objetivo sem que ele precisasse abrir a boca para direcioná-las. Joãozinho era admirável por querer tantas coisas sem pensar que eram quase nada e sem pensar que já sacrificava sua liberdade ao querê-las. Já Mariazinha estava mais preocupada em ter um real todo dia para tomar café na faculdade, não ser assaltada quando saísse de casa e não precisar pagar vinte cafés a cada vez que voltasse da balada. Mariazinha não queria nada além de poder estudar sem se preocupar com quanto teria em conta no mês seguinte. Mariazinha queria logo que abrissem um concurso público, para fazer de sua formação alguma coisa que realmente fosse resultar em algo maior que um TCC mal escrito. Mariazinha queria, claro, que Joãozinho fosse livre à sua maneira, mas Mariazinha sabia que, assim como ela que não queria quase nada, Joãozinho estava muito, muito longe de ser livre. E ainda estariam muito longe, mesmo que seus sonhos se reduzissem a uma barra de Talento de avelã depois do café de um real do intervalo ou duas horas diárias de conversa. E esta liberdade, pobres coitados, eles já tinham e nem se davam conta...


*Madý é estudante de filosofia, produtora de conteúdo e aspirante à baterista nas horas vagas. Mantém o blog Desabrido, um TCC, um projeto de mestrado, o projeto de uma graduação e, quando sobra tempo, uma vida altamente mais ou menos.

3 comentários:

  1. acredito que estamos sedados pelo tempo. nunca o presente, sempre passado ou futuro. e a percepção da realidade se queima no espaço, entre um café e outro.

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  2. Quando é que se tem o que precisa? Acho que nunca! Tudo o que é mais livre é, ao mesmo, tempo o mais preso. O paradoxo que é existir... seja dos que sabem que existem, seja daquilo que não tem ideia de que vive.

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  3. vale lembrar que o café da faculdade da mariazinha subiu para 1,30. tá ficando difícil ser livre, minha gente.

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