No parco lençol branco com cheiro de laranja, definhava deitada na cama que simbolizava ao mesmo tempo tanta vida, tanta morte, tanta vida-morte.
Recordava o tempo, o seu tempo, ainda que negasse esta filosofia do próprio crepúsculo e tentava não vivê-lo com a alma. Boca humildemente seca, dedos desgastados pela labuta de tantos tanques de roupas desbotadas ganhando vida com sua força: o sacrifício do próprio corpo exercendo a sua função no mundo. A doença parecia um destino já aguardado, quase que pressentido, desejado. A doença era, como todas as outras coisas em sua vida, o conformismo em relação às suas ações perante a idade.
Refletia sobre a sogra que cuidou até os últimos segundos do câncer, naquela mesma cama. Refletia sobre o marido que enterrou limpando o sangue com aqueles mesmos lençóis. Refletia sobre os filhos, metade responsáveis por sua desgraça, agentes deste universo de coisas vazias; outra metade perdida durante o parto. Os filhos que criou e que já não via há algum tempo - não os culpava, pois também não amava, embora jamais conseguisse verbalizar esta ausência de sentimento - e os filhos que nasceram mortos, estes amava mais. Refletia também sobre a ironia contida nestes filhos que não nasceram, nem morreram, porém existiram. Quão estúpida é a natureza em subverter-se. Quão insignificante é o que chamam milagre do nascimento, posto que a vida pode passar-se ao contrário, esquecer sua lógica e surpreender com um último suspiro antes do primeiro ser dado.
Refletia sobre a irmã parteira que morreu segurando sua mão e lhe dera um livro. Livro este que ela, velha e analfabeta, segurava agora, com pouca indulgência nas mãos, mas que gostava de folhear. Sua página preferida esboçava um desenho de mulher parecida com ela: surrada, de olhos sofridos, rosto marcado e que, assim como ela, parecia esperar a morte chegar. Mal sabia que, naquela mesma página, a frase de letras mais escuras, talvez fosse uma premonição que sua alma experiente com certeza leu: "pelo menos não serei mais a mucama de ninguém".
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