quinta-feira, 7 de maio de 2009

Uma eternidade






"E aqui estou eu sozinho com o tempo / O tempo que você me pediu / Isso é orgulho do passado / um presente pra você / Uma delicada lembrança / Branca neve que nunca senti / Solidão me deixe forte / Talvez resolva meus problemas / Eu morreria por você / Na guerra ou na paz / Eu morreria por você / Sem saber como sou capaz". "Mudança de Comportamento", Ira!

O elevador não parou. Foi além do décimo primeiro andar, que era o local onde seria realizada a reunião. Comemorou a feliz coincidência naquele momento infeliz. Não se interessava por reunião nenhuma. Pelo contrário: estava cheio daquilo tudo. Foi parar no terraço do prédio, no vigésimo. Saiu, seguiu em frente. Achou um canto e se sentou. Não havia ninguém ali. Teve vontade de abrir a pasta e jogar todos os relatórios pelo ar, aproveitando-se da altura do local onde se encontrava. Aquele trecho da Avenida Paulista ficaria repleto de papéis com números impressos, restos de um planejamento financeiro que levou semanas para ser concluído, e que para ele já não fazia mais sentido algum. Não teve coragem, mas jogou a agenda, o último representante de uma vida regrada e automática. Um pouco de aleatoriedade não faria mal.
A insegurança chegou por meio de um velho conhecido, aquele que já foi amigo e inimigo, e que naquele momento lhe fazia companhia. Um pedido atendido a contragosto, vindo de quem ele mais amava, por quem ele faria os sacrifícios mais espetaculares. Tomando consciência disso, resolveu jogar lá do alto também seu relógio de pulso, o maior símbolo desta companhia indesejada. E neste momento, tornou-se dono do próprio destino, atirou o tempo pelos ares, a fim de que ele parasse, junto com a pequena máquina espatifada no meio-fio da grande avenida.
Foi quando ela surgiu. Sentou-se ao seu lado, fez-lhe um afago e se deixou ficar. Ele se apaixonou imediatamente, esqueceu-se de tudo o que lhe afligia, se dedicou inteiramente àquela paixão, como se ela tivesse surgido antes de sua própria existência, pediu que ela nunca o deixasse, que ficasse ao seu lado para sempre. Ela refutou a possibilidade, disse que não era o melhor que poderia oferecer. “Pode durar uma eternidade, e pode não ser o que você sempre quis”. Ele se decepcionou ao constatar que novamente o tempo era o pivô de sua frustração. Ela continuou: “Pode virar uma necessidade, mesmo que você não se sinta feliz”.



E dizendo isso, ela caminhou até a beira do prédio e desapareceu no ar. A última coisa da qual ele se lembra foi de correr até lá e gritar, desesperado. A cena seguinte se deu ao observar o teto e as paredes brancas e notar que estava deitado em um leito de hospital. Soube que havia sido encontrado em estado de choque. Temeram que ele se jogasse. Perguntou aos amigos se descobriram quem era ela. “Ela quem?”, foi o que ouviu deles. Não houve registro nenhum de acidente ou suicídio na região. Sendo assim, tudo não passaria de uma ilusão? Ela então nunca existiu?
Meses depois, a vida voltou ao normal, com a diferença de que não usava mais agenda nem relógio, os velhos sinais de algo que para ele não era mais significativo. Escolheu uma profissão menos burocrática, mais artesanal. Mudou-se de cidade, foi se esconder pelo interior. Uma pausa para o café no centro da cidade foi a forma que escolheu para coroar sua chegada ao novo lar. E tudo seria natural, não fosse aquela moça que parou ao seu lado para perguntar que horas eram...





Nota: este seria o Mojo Single que eu escrevi para a música do Ira! citada logo acima, mas infelizmente ultrapassei o limite desejável de caracteres. Sendo assim, compartilhei com vocês esta nova criação. Espero que tenham gostado.

7 comentários:

  1. Pareceu uma prisão tão comum, e mesmo quando nos fazemos ‘libertos’ dela: sempre há o que nos lembra que jamais seremos ‘órfãos’ do passado. Algo sempre nos cobra aquilo que não queremos, o que nos machuca; e por temer a dor da lembrança acabamos jamais tentando esquecê-la... Torna-se o mais intenso desejo de esquecimento.
    Não creio que exista um ‘recomeço do zero’, sempre nos lembraremos de tudo o que nos fez recomeçar.

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  2. "O eterno retorno", Lorena?

    Update: coloquei "Mudança de comportamento" no player, como trilha para o conto.

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  3. Também, Márcio. Pois inúmeras vezes eu já me flagrei pensando sobre isso. Sobre o fato de, quem sabe, eu viver eternamente os mesmos ciclos e as mesmas escolhas. Ou de deixar que certo sentimento guie-me às oportunidades. Pois é sabido que enquanto estivermos vivos sentiremos a ‘dualidade’ das emoções, destes ‘prazeres e desprazeres’ humanos. O que nos condicionaria a, ainda que em diferentes graus, experiências semelhantes: escolhas unas. E nem sempre tenho a convicção de que desejaria minha vida uma outra vez. E me decepciona saber que caminhos traçados (mesmo que eu apenas tenha obedecido certa trilha, seguido algum mapa) serão seguidos por mim sempre, e que eu não possa mudá-los. Mas, espero não tornar isso desculpa para próximos passos.

    Apesar de crer não ter AINDA maturidade para determinados devaneios, atrevo-me sempre a questionar-me com estes choques de ‘realidade’. Julgo dizer assim, pois tudo o que faz com que eu revise minha vida, sempre por um panorama abrangente de ‘será que, realmente, eu faria estas escolhas se eu pudesse não as escolher?’ é bem ‘pensado’, ao menos tento. Talvez ainda eu não tenha aprendido a ser a mesma ‘pessoa-pensante’ no plano prático...

    Penso ainda, que se pensássemos sempre tendo como ‘guia’ este ‘Eterno Retorno’ faríamos escolhas das quais desejaríamos que nossos ciclos de vida se repetissem sempre. Pois, uma coisa é acreditar que um erro será cobrado apenas uma vez, mas quando decepções, dores e tristezas podem ser vividos sempre, a conversa muda de tom. E nem digo, de fato, no viver a mesma vida várias vezes no tempo, é só uma base de reflexão: se gostaríamos, realmente, de viver sempre as nossas escolhas ‘feitas’. Pois, independente, nos prendemos muito mais ao que nos fracassou do que àquilo que nos fez superar-nos. Pois, às vezes dizemos “uma vez tudo bem, é tolerável. Mas duas? Duas já é demais.”. E se, ao final de tudo, seja esta a resposta à nossa vida: “Viver uma vez sim. Duas da mesma eu não suportaria.”?



    (sorry pelo imenso comentário)

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  4. não gosto de calendários, relógios, e acho que estas paranóias estão sempre associadas ao que nos assusta.
    pois é. descobri que, em pequena escala, tenho pânico do tempo. do tempo que passa e eu não posso pegar de volta. porque certas coisas, como o tempo, são irreversíveis.

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  5. Assisti um filme que chama-se 'mais estranho que a ficcção'. Me lembrei deste texto.

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  6. Não assisti. Vou procurar pra alugar!

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  7. que belo estranho dia pra se ter alegria. e eu respondo e pergunto: é só um tempo pra gente ficar junto? é só o tempo de enlouquecer com você.

    parabéns ;)

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