quinta-feira, 30 de abril de 2009

Mojo Single: Madame Saatan, Devorados...

Pessoal,
A Mojo Books, uma editora virtual que publica contos e livros baseados em música publicou hoje meu segundo Mojo Single, um conto inspirado em Devorados, do Madame Saatan. Além de ser uma excelente forma de aliar literatura. música e internet, ajuda a divulgar o trabalho da banda. Acessem o conto, elogiem a banda e comentem o texto. Obrigado:
http://mojobooks.virgula.uol.com.br/mojo_inteira.php?idm=304

terça-feira, 28 de abril de 2009

“Qual seria a dúvida? Qual seria o medo?”


Era um cortiço, quartos amontoados, vidas misturadas, sonhos esquecidos. Sentada num canto barulhento de meu quarto, refugiava-me na internet, com meus amigos mudos. Conversávamos e riamos sobre vontades secretas, e nossa ‘pseudo-esquizofrenia’, sabe, sobre nossas vidas paralelas. Quando, de repente, vejo uma pequena mão empunhando uma arma, e entrava pela imensa janela de meu quarto (posta para economizar tijolos e cimento, talvez). Desespero-me: era o meu vizinho de 12 anos (nunca o achei um garoto muito normal, mas ele nunca me importara... até aquele dia).
Ele bradava palavrões que eu (uma amante do sentido poético das obscenidades) não ousava, jamais, pronunciar. Dizia-nos a todos que mataria... mataria... mataria. O mandei calar a boca, claro, não dei importância alguma àquela cena. Como eu pude não dar importância àquele menino de 12 anos e sua arma em punhos? Coisas da pobreza, coisa do acostumar-se aos lances e situações estranhas, porque não dizer, bizarras da vida.

O tinha no msn (O que seria de nós que não sabemos viver com o mundo ‘físico’ sem o msn? Ou o que seria de nós que não suportamos olhos mentirosos, e bocas trêmulas: vozes honestas?), e pedi que ele parasse com aquilo, pois eu não agüentava mais gritaria, e já me era suficiente um bando de moleques jogando, ao longe, futebol. Ele não me respondera, e também não me incomodara. Mas aquela dupla (mente e arma) insistia em não me dar paz.
Entrara por minha janela, outra vez (pelo destino, talvez, éramos vizinhos de barraco), mãos de 12 anos, e arma mortífera (ou seria a mão a arma mortífera?): mas naquele momento me estremeci. Eu que já era acostumada às mais irônicas e estranhas situações, senti um pavor, antes jamais experimentado: queria arrancar da forma como desse a vida daquele garoto, mas o medo não era este, o medo era eu saber que jamais o faria, o medo era medo de ter medo, e por medo não fazer nada. Ele se retirara de meu quarto. Sossego, por instantes.

Uma voz aterrorizante, agora, ecoava por inúmeros cantos daquele meu maldito cortiço. Vozes desesperadas somadas a uma insistente voz debochada, maléfica: o garoto havia dado um tiro. Mas, inexplicavelmente, voltara a invadir meu canto, armado.
Ele olhou para mim, e em silêncio disse-me “não matarei você.”. Mas, como confiar em alguém que lhe diz sem motivos aparentes: “não matarei você.”? Simplesmente não dá. Às vezes a verdade NÃO É O SUFICIENTE. Quando ele se ‘distraiu’ (aquele garoto nunca se distraia), eu corri do meu quarto para fora, o local era um ponto cego para sua arma, sua mão e suas secretas intenções. Corri até meu pai e pedi que telefonasse à polícia, ou faria eu. Ele nada fez.

Desesperada com toda aquela situação, eu não sabia o que fazer. A única reação a que tive chance de expressar foi o sarcástico desespero. Sentei-me ao chão e pus-me a rir de todo aquele acontecimento. Era tudo tão idiota que me era incrédulo acreditar. Parece atestado de burrice ter fé em tudo aquilo. Enfim, me atestei burra: acreditei. Esperei alguns instantes, enquanto ouvia, ainda, toda a movimentação por causa do garoto. Confiante daquela confiança que só é dada aos jovens, retornei ao meu cubículo. Encontrei vozes, gritarias e uma mãe desesperada, mas com tom de voz firme. Alguém precisa iludir-nos que era possível por limites àquele menino.
“Meu filho, saia já dessa sacada (sacada? E lá cubículo, cortiço tem sacada? No máximo uma falta de dinheiro pra completar o telhado.). Você não vê que as pessoas estão com medo? Para o seu quarto... já.”. ‘Medo’, aquela era a palavra que atiçava as vontades do pequeno garoto, ele sentia prazer ao ver o medo, ao senti-lo. Virei-me para ele e lhe disse que saísse de onde estava, que não mais me irritasse com as suas vontades, pois eu nada me interessaria se ele continuasse provocando. Erro fatal. Não devia eu, ter pedido que ele deixasse as ameaças, e as concretizasse.

A polícia não chegava, e ele não largava a arma e posição de ‘atirador de elite’. (Pense bem: um garoto de 12 anos como atirador de elite. É como imaginar um gato filhote ameaçando inúmeras ratazanas... É, mas o gatinho não teria arma. Coisas dos humanos, impossível exemplificar com outro ser.). Resolvi falar novamente com meu pai: “pai, há horas pedi que ligasse para a polícia. Aquele moleque dos infernos está às vésperas de matar alguém, e eu não agüento mais este barulho. Barulho maldito. As pessoas são muito chatas, tudo as fazem pensar que o mundo se mobiliza para olhá-las, para sentir pena.”. E ele me respondeu, acreditem se quiser, que havia ligado para a polícia, mas que estava difícil encontrar um helicóptero, e que só viriam de helicópteros. Ah! Irritei-me muito. Sempre querendo holofotes, todos.

Resolvi eu mesma dar o telefonema, e apressar a polícia, mas não fora preciso. Ela chegara, e ao ouvir os sons muito ‘silenciosos’ (ah! A cautela da polícia foi imprescindível para os desfechos.) da ‘chegada’, o garoto se irritara e dera tiros em algumas pessoas. Com uma mira invejável, acertou a todos a que mirou pra matar. Uns quatro morreram. O garoto tem um dom. (oquei, desculpe-me pela piada. Mas ele tem um dom.). Não fora preciso esforço algum da polícia, o próprio garoto, levado pelas mãos de sua afrontada mãe, se ‘entregou’ à polícia. Ele tinha planos. Sim, Os planos.
Fora levado ao hospital, para exames, pois estava sangrando. Algum outro vizinho, não com o mesmo talento dele, lhe acertara um tiro de leve no braço. Fora posto numa sala para exames. E eu, até agora não entendo, fui junto. Aquele garoto me intrigava. (Não farei uso algum do que fora dito pelas pessoas, com certeza elas pensaram e disseram o mesmo que estás pensando, então poupá-lo-ei de ler o que diz teu próprio julgamento.).

Alguns policiais vigiaram seu quarto. Ninguém podia entrar, ou sair: e isso era toda a segurança. A imprensa estava ansiosa e derretida pelo garoto. Procurava a quem culpar, menos a cabecinha doente daquele moleque: ele já não me dava medo, mas enchia de perguntas minha cabeça: que assassino viraria aquele homenzinho, aquele ‘Oompa Loompa’ do mal? Quem seria o sortudo psiquiatra a entrevistá-lo, a aprofundar naquela mente muito além da nossa? O que será que aquele garoto via?

Não sei o motivo, eles nunca explicam seus fracassos, o ‘Oompa Loompa’ assassino havia fugido do quarto. Passeava agora, um garotinho de 12 anos, pelos corredores do hospital. Mas creio que ele não mataria moribundo. Perda de tempo. Ele queria quem estava ‘vivo’. Estes sim, corriam perigo. Depois de muito procurar daqui, procurar dali... concluíram que o ‘Oompa Loompa’ havia sumido, saído do hospital: ah! Isso seria um banquete para aquela mentezinha iniciada pro mal.

Detive-me em pensar por onde aquele garoto ia. Eu não acreditava que ele houvesse saído do hospital. Fui passear pelos cômodos da casa de saúde. - A polícia não evacuara o prédio, não queria alarmar a imprensa e a sociedade. Na verdade não queria deixar que soubessem que um garoto de doze anos, assassino de quatro pessoas, fugira da segurança policial... daria até manchete de jornal.

Descreverei, agora, o que acontecia num quartinho do hospital que servia como cozinha para os funcionários (por favor, não me perguntem como eu sabia do que se passava, e o motivo de não alertar ninguém sobre o que vi): o garoto estava sendo segurado por dois homens, estavam trancados nesta cozinha. Os homens tentavam injetar um sedativo no ‘Oompa Loompa’, mas, (não conheço os diálogos, pois eu só vi o que acontecera, eu não ouvi.) o garotinho conseguiu com que os homens o soltassem sem, sequer, dar-lhe o sedativo (podia ser político esse prodígio do crime). Quando saiu do quartinho, com uma cara tranqüilamente debochada, trancou os dois homens lá dentro. E, como era um local ‘inacessível’ ao público que freqüentava o hospital (aquilo virara um show), os botijões de gás ficavam expostos, presos numa parede lateral, mas com entradas para a cozinha. E como nada é perfeito, havia um botijão, cuja entrada não entrava em lugar algum, apenas estava dentro do quarto, mas não ligava-se a nada. O garoto esperto, como só a maldade é possível, já o havia reparado, e tramara um ‘ataque’. Ele abriu uma espécie de registro do gás, e este começou a entrar no quarto. Após fazer isso, saiu com cara de criança-não-assassina, pela porta que dava acesso ao lugar permitido a todos: os corredores do hospital.

Os homens que haviam sido presos com o garoto, mas que agora estavam sós, gritavam desesperadamente, pediam por ajuda. Um homem que passara próximo à porta reparou no desespero, e olhou pela janelinha de vidro da porta. Coitado, estava no lugar errado. A cozinha explodiu, e explodiu parte do prédio, parte do hospital. Eu saí desesperada, gritando, pedindo ajuda a todos e qualquer pessoa. Quando vi vários médico deitados na grama, olhando a cena: o prédio em chamas. Ninguém fazia nada, quanto mais eu gritava, menos pareciam me ouvir. E eu pensava “aqueles putos não farão nada?”. Foi quando eu despertei do sonho... ou será que eu estava morta?

domingo, 26 de abril de 2009

Felicidade

Quando falamos de felicidade ou tentamos resumi-la em algumas palavras, falar de um determinado momento inesquecível. Aquele em que realizamos um sonho, conquistamos algo de que queríamos muito. Geralmente, usamos da maior empolgação possível para traduzí-lo. Dimensionamos muito mais o sentimento do que ele realmente é, alongamos muito mais a felicidade do que ela realmente foi aproveitada. Não que tenhamos nos decepcionado com o que encontramos, ou que nos frustramos com o motivo da felicidade especificamente. Na verdade, nos frustramos mesmo com nossa reação diante da felicidade. Parecemos estar sempre à espera de uma catástrofe em seguida dos bons momentos, porque não nos sentimos dignos de simplesmente sermos felizes. Cultivamos uma expectativa gigantesca em prol dos nossos grandes sonhos, aquilo de que realmente precisamos; mas quando chegamos lá, nos chocamos. Entramos num estado de coma alcóolico emocional, como se nosso coração estivesse parado, congelado e portanto nosso corpo não respondesse às agitações. E então, só quem sabe que estamos felizes é nossa razão, porque esta tem a informação antecipada de que aquele era o objetivo a alcançar.

Mas onde estão os sentimentos, as agitações, a emoção total em viver a felicidade? Não existe. Apenas a vivemos na nossa idealização e após termos vivido, quando o momento "gelo" já passou e nos tornamos novamente sensíveis às nossas percepções emotivas. É uma tendência quase natural se sabotar, se privar do proveito daquela injeção de ânimo que acaba virando mais uma anestesia.


Neste momento ou nos paralisamos e continuamos paralisados até algo externo nos acordar, ou colocamos tudo a perder. Não nos sentindo dignos da felicidade, inventamos motivos estúpidos para colocarmos tudo a perder. Fazemos cenas, ensaiamos uma peça de teatro em que a satisfação seja um consolo. Temos a felicidade em nossas mãos, ela está conosco, mas a acusamos de dezenas de coisas, tentando fazê-la desistir de nós. Será um ato inconsciente de se culpar por ser feliz? Talvez. A felicidade, neste caso, está sendo colocada apenas como uma oportunidade, não como um sentimento linear sentido a vida toda.


Há aquela história de que Paul McCartney, quando estava no Guarujá, num condomínio fechado, e se afastou do hotel para velejar, não sei bem o motivo do afastamento. Acontece que estava cansado, com sede, e bateu na porta de uma vizinha para pedir-lhe água. Não vem ao caso qual foi a reação da tal vizinha. Mas fico tentando imaginar: eu abro a porta da minha casa e dou de cara com o Paul!!!!!!!!!!! Será que eu aproveitaria este momento de felicidade? Ou ficaria paralisada como se nada daquilo estivesse acontecendo, daria a água e ficaria travada e tensa, até ele partir e eu pensar: poderia ter pedido um autógrafo, uma foto, sorrido? Ou ainda, será que eu o trataria mal, fingindo não conhecê-lo, como se condenasse a felicidade por bater à minha porta? Não saber lidar com a felicidade é lidar com a frustração. É por isso que acho que escrevo.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Requiem do poema perdido

Há um poema aqui hoje...eu sei que ele está aqui, não foi embora, apesar dessa aura diáfana me dizer o contrário...ele sopra algo dos cantos, como um demônio doente ou uma criança pequena criando um mundo seu...o nome se perdeu, isso eu sei, e lamento...fugiu pela janela e não fez muita questão de ser furtivo...deixo no ar algum cheiro estranho, almiscarado e doce, mas sem cor, transparente como um cristal...enquanto ao poema ainda vejo marcas de seus passos na poeira alta do chão, dá pra ver que ele anda descalço, mas pisa leve e altivamente...afasto os móveis, encosto o ouvido no chão, confiro os bolsos e sacudo as revistas. Acho restos de sua pele abandonada, se metamorfoseou há poucos dias. Estava grande demais, não cabia em seu antigo couro...teria serpenteado porta afora e eu não percebi?
Vou procurar na cozinha. Na geladeira não está...acho uma canção bem antiga, perdida entre cabeças de alface e queijos diversos...olho pra ela com cara de quem não quer comer aquilo, fecho a porta e continuo minha busca. Percebo uma cadeira fora do lugar: ele esteve aqui. A janela fechada mostra que ele não saiu por ali. Menos mal. Não quero que ele vá, de alguma forma sinto algumas de suas palavras lançadas no ar. Quando respiro fundo ouço melhor. Ouvi "não" e "nada" mais de cinco vezes. Tenho medo de ser um poema niilista, desses que te fazem chorar e esperar na cama. Mas vou procurar mesmo assim, tem que estar em alguma gaveta ou caixa de charutos.
Estranho é que esse não responde quando eu chamo. Pego-me gritando alto. Mas como o título dele foi embora grito palavras soltas. Acho que não vai adiantar. Saco. Se não estiver no banheiro ele se perdeu definitivamente. Mas somente poemas escatológicos gostam de banheiros, mesmo que estejam limpos. Abro a porta desanimado. É, não está lá. Sento-me sobre o sanitário tampado e olho os peixes-palhaço na cortina do banheiro. Que mal gosto, meu deus. De repente ouço um barulho e corro para a sala. A porta da frente aberta, escancarada. Ainda vejo sua silhueta esguia ao longe, e escuto suas últimas palavras. A despeito de todo carinho, cuidado ou coleiras, o poema fugiu. Agora estou mal, não posso perder mais poemas. Sento em frente a uma folha branca e desenho uma pata de dragão. Descanso o lápis sobre a folha, suspiro como um velho desgostoso e me levanto. Parado na janela já nem me lembro mais do poema perdido. Mas ainda sinto o vazio que ele deixou. Acho que por isso, farei um poema.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

"Ninguém vai me sujeitar a trancar no peito a minha paixão."

Enquanto ela caminhava sozinha pela cidade, pouco reparou por aonde andava; não por tédio ou infelicidade, mas porque ela pensava na vida a levar, nas coisas a fazer, nos sonhos a experimentar. Uma certeza fazia companhia às suas idéias: inovar. Sim, ela queria mudar, provar algum sabor repudiado de desejo pela maioria das pessoas. Uma amiga lhe havia alertado: ‘ quem muita verdade garante, pouco sabe sobre ser feliz: faça as suas escolhas. ’.
Ela pensou ‘pelo quê começar?’, e se lembrou de que em algum momento em sua adolescência ela quisera saber como é passar as mãos nos cabelos de uma mulher, com paixão, ou libido. E resolveu que começaria por ali. E, ao pensar nesse princípio, riu. Soltou um breve sorriso tímido, como se tivesse uma singular vergonha da vontade, afinal, pela idade ela já deveria ser uma mulher resolvida: aos 26 anos não se permite tais dúvidas. Mas ela ignorou a idade, como ignorou o tempo: iria chover.
Passou em frente a uma loja de roupa masculina, e decidiu que queria usar um boné - passara a vida toda ouvindo ‘você possui os cabelos lisos e lindos, uma mulher deve saber agradar aos olhos dos homens. ’-, afinal, ela não queria excitar mente alguma, além da própria. Saiu da loja com o boné tampando parte dos belos e ignorantes cabelos. E, naquela hora, passeou pelas ruas como se ninguém a reparasse. Comprou sorvete, o derramou, sem querer –ou talvez não- na blusa branca. Deu dinheiro ao homem que lhe disse uma verdade dolorida: ‘Ou, Dona, me dá dinheiro pra beber?’. Ela deu o dinheiro, enfim, um pagamento indigno para uma verdade insolente.
Uma mão lhe chama a atenção, ela olha e vê uma criança agarrada à barra de sua calça: ela não gosta de crianças; mas acredita que se uma criança desconhecida sorri para um estranho, este estranho seria uma boa pessoa. Então ela sorri de volta, não para a criança, mas para a crença. Prossegue caminhando aleatoriamente, quando a chuva, antes ignorada, começa a cair. Ela não hesitou momento algum, achou que a rua fosse um baile, e a chuva seu par: dançaram aos olhos dos espectadores. Ela mexia-se, e contorcia-se de frio. Seu corpo acompanhava as gotas d’água que caiam, e ela, de olhos fechados, soube o que era sinestesia: a chuva lhe excitara todo o corpo, visões desordenadas da sua infância, da sua juventude... dos seus pais. De repente ela ‘viu’ seu primeiro amor, um colega de escola; ela gostava do jeito quieto dele. Viu-se em sua formatura, recebendo o diploma –apesar de nunca ter servido para nada além de enfeite na sala de visitas- ela gostava dele, ele era engraçado: representava nada e vitórias. Um grito, então, a desperta, e ela se vê caída no chão. Passa as mãos pela testa e sente o sangue escorrendo, olha em volta e vê muita gente apavorada, gritando, pedindo socorro: ela caíra e batera a cabeça contra o meio-fio, enquanto dançava com a chuva. Ela tenta se mover, e levanta-se e diz aos que se desesperavam “nada de mais, apenas um corte, e, com certeza, uma dor de cabeça.”, ela nunca havia sido, antes, sarcástica, mesmo que tão superficialmente: mas nada era superior ao momento êxtase de sua vida. A descoberta do que se pode, de aceitar desejar o que se deseja: a honestidade no desejo.

sábado, 18 de abril de 2009

Livro


Meus caros,


Acaba de ser publicado pela Clássica Editora o livro Hermenêutica Jurídica: Uma análise contemporânea da interpretação e aplicação do Direito, no qual figuro como co-autor, com um capítulo sobre a interpretação histórico literária do Direito em Édipo-Rei, tragédia do grego Sófocles. É motivo de muito orgulho anunciar isso aqui. O preço do livro está por volta de R$ 40, o que é um preço popular para o tipo de publicação. Por enquanto as vendas são feitas exclusivamente pelo site do clube de autores, através do seguinte link: http://clubedeautores.com.br/book/1324--Hermeneutica_juridica
Espero que seja o primeiro de muitos e que possa anunciar outras conquistas como essa aqui.


Muito obrigado,


Ramon

sexta-feira, 17 de abril de 2009

A cidade era Praga...


A cidade era Praga...bom, na verdade não era Praga, ela é que gostava de pensar que era Praga. Gostava de pensar que dançava tango nas ruas de Praga depois de uma chuva forte...Por que Praga? Tinha que ser Praga, dançar tango em Buenos Aires é muito comum, todo mundo sonha com isso. Pensando em Praga abriu a janela da sala. Sentiu o vento roçando os seios nus e o frio arrepiando os pelos dos braços. Riu do pequeno calafrio e acariciou com o dedo indicador direito o mamilo esquerdo, firme e róseo. Soprou a franja grande demais que insistia em cair sobre os olhos. Com eles procurou a vasilha de comida do gato. Ainda estava cheia. Rasputin não voltara nas últimas duas noites. Teria sido atropelado? Morto por moleques de rua? Não, não havia moleques de rua em Praga. Em Praga não se atropela gatos. Afastou-se da janela depois de contemplar os miosótis que cresciam na praça da frente. Sentou-se na cama, não pensava em se vestir. Na parede da frente viu-se no espelho grande, ainda encostado porque não teve ânimo de pregar. Reparou que ainda era bonita, dessas belezas leves cujas donas sabiamente pouco se importam. Brincou com a franja, fez malabarismo com os dedos. Acho que se masturbou, mas não saberia dizer. No relógio em cima da escrivaninha os ponteiros marcavam nove da manhã. Suspirou com uma preguiça levemente desolada. Entrou no banheiro coçando o braço direito com a mão esquerda. Olhou-se no espelho uma vez mais, apalpou e tocou os mesmo lugares que havia apalpado e tocado na cama. Gostava do banho bem quente, e costumava cantar canções muito antigas, canções que não lembrava onde tinha aprendido. Pensar no banho era algo que gostava muito também. Convesava muito comigo sobre esses pensamentos... bom, conversar não é bem a palavra, eu meio que imaginava o que ela pensava e acreditava no pensamento como se fosse uma verdade divina. Demorou no banho mais do que de costume. Lembrou de canções sobre o sol, sobre praias, luas e gente triste. Enxugou-se com displicência, e depois cheirou a toalha. Tinha cheiro de banho morno e sexo igualmente morno. Não quis pensar no que vestir. Vestiu qualquer coisa, sem roupa de baixo, pegou a bolsa, olhou mais uma vez pra comida que Rasputin não tocara e saiu. Desceu as escadas com a música do banho e a agenda do dia disputando espaço na cabeça. Sentiu cheiro de café vindo do apartamento vizinho, habitado por alguém que não conhecia. Pisou a calçada acostumando os olhos ao sol e o cheiro da praça e dos miosótis a fez sorrir. Sim, era Praga. Se as ruas estivessem molhadas dançaria um tango, mas estavam secas demais quando desceu da calçada e foi atropelada por um carro popular. Ouviu alguns gritos, e sentiu gosto e cheiro de sangue. Chegou a achar irônico como o sangue tinha cheiro de miosótis e café de vizinho. Lembrou que se masturbara mais cedo, lembrou em quem pensava no momento e sentiu vergonha. Sentiu muita dor enquanto lia a marca do pneu perto demais dela e entendeu o que tinha acontecido. Não sabia o que fazer, e por não saber preferiu fechar os olhos e morrer. Na rua as pessoas corriam para todos os lados, como se fugissem da morte que tinha acabado de levar aquela moça sem nome embora. O sol continuava lá, assim como os miosótis e a praça de pouca cor. Ela jazia sob as rodas de um carro popular, ano 99, segundo ou terceiro dono, e nada parecia mudar por conta disso. Ela esqueceu de sonhar uma Praga onde não se atropelassem nem gatos nem seus donos. Ao fim de tudo, não era Praga mesmo. Naquele instante, num apartamento pouco organizado, com um espelho grande encostado, uma toalha que cheirava a sexo morno e que agora não tinha mais dona, um gato chamado Rasputin entrava pela janela. Viu a comida na travessa e ronronou...parecia sorrir....

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Os arranha-céus ao redor de Alice

Olá! Chega a vez de mais um texto original da Maísa, dos que ela me pediu para publicar. Mais uma vez não havia título, e me encarreguei de nomeá-lo. Escolhi este nome, representando a cidade e a personagem que crescem juntas com o passar dos anos. Com vocês, "Os arranha-céus ao redor de Alice", por Maísa Oliveira:
"Com muita calma e perseverança, ela descia as escadas do maior edifício de sua cidade. Há oito anos atrás, entrava naquele mesmo prédio irradiada de felicidade. Como toda garota sonhadora do interior, seu maior sonho era trabalhar naqueles grandes prédios, cheios de gente e com roupas sociais que enganassem sua ingenuidade. Agora, neste instante, ela saía, talvez de cabeça erguida, mas um pouco confusa.
Segurando a caixinha de papelão, quis chorar, mas segurou as lágrimas com todo sacrifício para que ninguém reparasse sua insatisfação. É certo que ela se superestimava, pois ninguém ali nunca havia reparado nela. Pobre moça de aparelho nos dentes, óculos de grau excessivo e com alguns pertences dentro da caixa de papelão que deveria levar pra casa. Ainda não havia pensado no que significava aquela demissão para sua vida.
Não podia deixar a caixa cair, porque ela significava para Alice que ela saía com mais do que entrou. Nunca havia trabalhado até então, mas conseguiu o tão desejado emprego no prédio mais bonito, e desde que entrara ali, estava há oito anos na mesma função. Por inocência, fora enganada e demitida injustamente, mas era fraca demais pra reclamar qualquer coisa ou tentar provar sua inocência. Preferiu apenas juntar seus livros de romances de banca de jornal que adorava ler. Afinal, sonhava com um príncipe encantado, queria ser levada por um homem bonito de cavalo branco.
Junto com os livros, na caixa, um porta-retrato do seu filho de 5 anos, que ela nem sonhava ter quando começou a trabalhar. Seu objetivo era ser modelo, ou então se casar com o dono do edifício. Mas, felizmente ou infelizmente, meses depois ela descobriu que o dono do edifício estava morto e quem herdara fora sua esposa. Aos poucos e friamente os sonhos de Alice foram se desfazendo.
Seria exagero dizer que ela desanimava, porque nem sequer acreditava. Na verdade, sabia que jamais aconteceria algo do que queria pra sua vida. Ela só queria e sabia que este era o único direito que tinha e a única dádiva que a vida lhe daria. Num súbito, teve a idéia de escrever um livro. Quem sabe? Um livro sobre sua vida. Sim, porque Alice não tinha consciência do quanto sua vida era desinteressante e que ninguém gostaria de ler sobre ela. Logo desistiu. Não por não acreditar no sucesso, porque ela não acreditava mesmo, mas porque estava confusa.
Achava que só havia pensado em escrever porque se lembrou que só começou a ler seus romances após conhecer aquele prédio. Ele era uma espécie de divisor de águas em sua vida. E então, considerou que seria capaz de subir mais algum degrau. Desistiu completamente de voltar a pensar nisso quando se lembrou que estava descendo as escadas e não era capaz de alcançar patamar nenhum, naquele momento.
Chegando à rua, aquela sensação de que estava em coma durante oito anos. De repente, de um dia pro outro, a rua estava repleta de gente, muito mais do que quando ela começara a frequentar este bairro. Os carros eram mais barulhentos e mais numerosos. Ficou estática. O que faria agora? Seu dia estava livre, seu filho na escola, sua vida descomposta. Alguém passou com pressa, a pressa que Alice não tinha; esbarrou na caixa e derrubou todos os pertences em uma poça de água grande. E todos os livros desmanchavam naquela água de chuva toda suja, a foto desbotou no mesmo instante e Alice gritou.
Olhou pros lados e percebeu que ninguém a ouvia. Se fosse um tiro, morreria ali mesmo no meio da calçada e ninguém se importaria.
Ajoelhou-se diante dos livros, pegou a foto do filho e se lembrou do momento da fotografia. Mais adiante avistou uma fita vermelha, escrita: "mamãe, eu te amo" que ganhara de presente da escola do filho. Pegou a fita, levantou-se, decidiu ir pra casa. Não sabia o que faria a partir dali. Aqueles oito anos a ensinaram que ela não tinha nada, absolutamente nada. Teriam ensinado também que ela, na sua condição humana, era um alvo muito fácil; mas Alice ainda não conseguiria entender isso. Ainda ignorante de emoções, ela decidiu simplesmente ir pra casa. No caminho debochou de si mesma, sorriu da sua estupidez e sentira que naquele instante, naquele mesmo instante algo mudava: Alice cresceu."

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Prêmio Top Blog

Pessoal, pedimos uma força no prêmio top blog pra tornar nossa Marmita mais popular. Cliquem no selinho e votem na gente, por favor!

Por uma janela

Chega a vez de mais uma participação especial em nosso blog. Desta vez, o convidado é o jovem Eugenio Bastos, a vítima preferida das nossas petulâncias em nosso chat coletivo. Eugenio escreve regularmente em seu blog, que já mudou de nome algumas vezes e hoje atende pelo estranho nome Bastos Ponto Com. Você acessa o blog dele clicando aqui. Vi uma evolução nos textos dele desde o início de sua experiência blogueira, e na semana passada resolvi pedir que ele escrevesse algo para ser publicado neste nosso humilde coletivo. Com vocês, "Por uma janela", por Eugenio Bastos:



Sentado na cama ainda desarrumada, olhava pela janela o mundo que o esperava dentro de instantes. Justamente por isso, tentou se manter indiferente daquele. Fez de seu pensamento o próprio mundo. Manteve-se isolado daquela confusão e de todos aqueles sons. Pela janela observou o parque municipal. Uma velhinha caminhava tranquilamente. Uma criança chorava ao cair de seu brinquedo. Seu café esfriava enquanto ele voava. Naquele momento, nada disso era importante. Apenas a solidão lhe confortara. O vento matinal que entrava pela janela o tocou como uma ameaça. Anunciava uma forte tempestade, embora o céu lá fora ainda estivesse claro. Porém, naquele momento, apenas queria apreciar aquele mundo pacífico que tinha por uma janela.
O horizonte, visto por aquela janela, era um prédio há alguns quilômetros dali, além do parque. Cinza, rude. Criando um contraste com o verde e a alegria do local.
Levantou-se da cama e fechou a janela. Viu que o mundo por uma janela era muito bonito, porém, limitado. Por uma janela ele via apenas uma criança chorando. Fora desse mundo, havia milhares de outras crianças sorrindo sonhando com seu futuro longínquo. “Pobres crianças, ainda não sabem como é triste o mundo por uma janela.”
Terminou de se aprontar e saiu. Preferiu o mundo por sua janela.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

"É a escolha entre ser calma e ser feliz."

Uma certa apreensão nos toma muito do prazer em ser jovens. Uma apreensão medrosa que não é nossa; um temor que não sentimos, entretanto, aqueles que nos estão por perto – e que são, de certo modo, ‘mais experimentados pela história’- nos enfiam goela abaixo (com a pretensão de nos proteger), pois aos seus olhos cuidar e preservar é dar-nos o medo, e nos fazer sentir pânico em viver e arriscar, em lançar-nos à descoberta e, quem sabe, frustrações. Mas nos faz necessário (‘Ó! Todos que somos jovens.’) certa dose de fracasso, certa dose de perda. Tenho, no ventre de minha hipocrisia, que aquele que jamais fracassou ou errou, é porque não caminhou no escuro – numa estrada desconhecida – e não deu-se ao por vir.
Ser sensato demais, preocupado em excesso com uma aposentadoria tranqüila, enquanto em nosso corpo sequer nota-se expressões cansadas, causadas pelo muito tempo de ‘Ser Humano’, torna-nos empalhados, não desejosos... inúteis.
A mais ‘próspera’ idade que temos (e que nos é permitido –quando não negado, ou quando não forçam-nos, as mãos que nos amam, renegar nossa idade) é exigida em prol de um conforto no futuro, uma época de vida que não sabemos se conheceremos, se estaremos lá.
A idéia do ‘aqui e agora’, ‘um dia de cada vez’ e ‘viva hoje como se fosse o último dia’ nos são passados como reflexões idiotas, pois em momento algum podemos fazer só o que queremos, no entanto, a dificuldade do mundo, e da escória humana é motivo apaziguador suficiente para nos escravizarmos por um salário, salário este que é o motivo de jamais nos ‘alforriarmos’. Nos prendem às mãos invisíveis que jamais no guiaram, mas que nos levaram a uma nova era de vassalagem, a um novo rumo de ‘prostituição’ por labuta.
Nos damos a prazeres gerais, onde nossas escolhas se resumem ao que podemos comprar, e ao que todos devem desejar. Nada se faz por individualidade. À compaixão da divisão devemos nos filiar, nossos tributos mais caros são aqueles pagos com dias gasto em vão. À época do ‘consumir homens e mulheres’... Ergamos nossas taças vazias, e brindemos a uma vida (coletiva) sem fantasia: “um último suspiro”.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Não se curva...


Numa dessas coincidências impressionantes, que quase nos faz acreditar num sentido último para a existência, numa moira pairando sobre nós tecendo nossos destinos e que, no cruzar dos fios que formam as tramas, por vezes nos cruzamos também, estava eu lendo o blog Generación Y quando ligo a tv (coisa que quase nunca faço) e vejo o Nelson Motta falando do mesmo. Confesso que descobri o blog essa semana. Procurando no Google sobre o filósofo, humanista e escritor Ortega y Gasset, descobri que existe um prêmio espanhol com seu nome, que honra escritores, jornalistas e veículos de comunicação. Passando sobre o prêmio de "Periodismo digital", vejo o nome Generación Y. Como não entendi o porquê do nome achei a princípio que era até um nome bobo, mas quando vi que o endereço digital incluía um desdecuba eu me interessei. E que surpresa! Encontro não só um dos blogs mais bem escritos, inteligentes e irônicos que já li, mas um dos sítios de luta pela liberdade de expressão e de melhoria de vida de um povo mais apaixonantes que já tive notícia. O nome do blog, "geração Y", vem da geração dos anos 70 e 80, que em Cuba, devido a influência soviética, foram batizados com muitas dessas consoantes no nome, assim como a autora Yoni Sánchez. Yoni, que enfrenta não só uma internet inteiramente sucateada para poder escrever, mas que é vigiada de perto pela polícia política, viu seu blog ser colocado entre os 25 melhores blogs de toda internet pela revista TIMES, mas isso, em verdade, importa bem pouco. O que importa mesmo é a capacidade de Yoni nos transportar para o contexto da Ilha, e nos fazer ver que ela está cercada pela censura, assim como pelo oceano. Que os anos de bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos sucatearam as estrutras produtivas e de circulação de recursos do país, perpetuando muitas das agruras que a Revolução pretendia rechaçar. Por mais legítima que a Revolução tenha sido, por mais romântica que tenha sido a luta de Fidel durante tantos anos pelo ideal de uma sociedade sem classes (ter conseguido uma sociedade sem patrões é um mérito que não podemos negar a Cuba), diante das necessidades de seu povo e do mundo que se abre, as propostas e as expectativas oferecidas pelo governo castrista são obsoletas, velhas e falhas demais para beneficiar o povo que delas depende. E Yoni, mais do que nos mostrar isso, nos faz sentir isso. E aí que está a beleza de seu texto e de suas fotos, ela nos mostra que a Ilha é composta de milhões de outras ilhas, como ela, que também não se curvam, sejam às ondas da perseguição e da censura, sejam às marés inevitáveis da necessidade. O link para o blog é: http://www.desdecuba.com/generaciony/

Aqui, posto um trecho de um texto muito interessante sobre as agruras dos cubanos para adquirir um automóvel:


Hasta el día de hoy, aunque algunas tiendas muestran en exhibición modernos todo-terrenos y climatizados minibuses, ningún cubano puede dirigirse a ellas y comprar –sin más requisito que el dinero– un auto. Hay que recibir antes una carta de autorización, a la que se llega después de años de papeleo. El proceso incluye una exhaustiva supervisión del origen de los fondos y la comprobación de la “limpieza” ideológica del comprador. Por casi una década, la firma de ese salvoconducto la hacía Carlos Lage, vicepresidente del Consejo de Ministros, defenestrado hace unas semanas. De manera que en medio del estupor por su sustitución, algunos se preguntan ¿Quién firmará ahora las cartas para obtener el añorado auto?


quarta-feira, 1 de abril de 2009

Extra! Extra!

Mais um motivo de orgulho para a confraria da Marmita Filosófica! Acaba de sair o Mojo Single escrito pelo nosso amigo Ramon Mapa. Ramon se baseou na canção "Demon Called Deception", do Grant Lee Buffalo para escrever sua história. O resultado você confere aqui: http://mojobooks.virgula.uol.com.br/mojo_inteira.php?idm=278

Ernesto e a Revolução

Depois do meu período de "férias", chega a vez da nossa querida Maísa se ausentar da internet por um certo período. Mas eis que ela, extremamente produtiva, deixou comigo alguns textos para que eu publicasse. Este primeiro, que não tinha título ainda, me impressionou bastante. Questionei a respeito do nome do personagem, Ernesto, e ela me jurou que foi escolhido aleatoriamente, sem a intenção de aludir ao Che. Mas achei interessante aproveitar a coincidência para intitular o conto com este emblemático nome. Com vocês, "Ernesto e a Revolução", por Maísa Oliveira:

Sentou-se no canto do banco da praça, cansado daquela caminhada rotineira de tantos anos do trabalho para casa. Devia admitir: não tinha mais o mesmo fôlego, e nos últimos dias ou nos últimos anos, não sabe bem, o tempo tem sido cruel com ele. Ernesto não estava apenas descansando. Aquela praça lhe trazia muitas recordações, muitas lembranças boas e ruins, mas com toda certeza, lembranças cheias de vida. Enquanto observava sem organizar os pensamentos muito bem e com o copo de água mineral na mão, pretendendo matar a sede que secava sua garganta com aquela água deveras gelada, pôs-se a pensar em seu passado, seu futuro e avaliar não só a própria vida, mas a vida em si. Hoje, sua última segunda-feira de trabalho, estava deixando-o perdido. Aquela era sua última semana, e aquilo que todos sonham a vida toda estava prestes a acontecer com ele: usufruir de uma velhice confortável tendo uma boa aposentadoria. Todo seu conhecimento, sua malícia, seu aprendizado; desde as etapas mais simples às mais complicadas, ele havia ensinado ao rapaz trinta anos mais novo que ocuparia o seu lugar. Não entendia bem, mas sentia certa tristeza. Não era apenas por ter que se aposentar, porque avistando do banco mesmo onde estava, já descobriu o que faria dali por diante: palavras cruzadas, revistas de mulheres peladas e as últimas notícias do mundo e do futebol. A praça, que durante tanto tempo havia sido sua companheira e ele nem sequer sabia, agora teriam uma relação madura. Ernesto sabia que muita história havia naquele lugar, e ele não podia ignorar que era exatamente isso que o fazia bem: reviver o tempo em que ele sabia o que queria ser, mas ainda não sabia bem em quem não queria se tornar. Fumando seu cachimbo, puxava na memória e as cenas que presenciava na praça naquele instante o ajudavam a relembrar as diferenças que constatava ao olhar-se no espelho de manhã. Não havia muitas crianças na praça. Só algumas acompanhadas dos pais, comprando balões, algodão doce ou maçã-do-amor. Tudo que permanecia igual ao seu tempo, só servia pra machucar e mostrar que ainda assim tudo era diferente. Reconhecia então que era perigoso demais crianças brincarem na praça como acontecia na sua infância. Lembrou-se das pipas, das bolinhas de gude, das rodinhas de peão. Lembrou-se que nunca se via crianças acompanhadas dos pais e se estivessem, eles as deixavam tão livres que era imperceptível. Olhou para o pequeno shopping, lembrou-se que ali aconteciam as reuniões de poesias todas as sextas-feiras e que no casarão ao lado era a sede do partido comunista.

Enquanto imaginava a revolução, via que logo adiante um banco era construído. Seria uma boa idéia abrir uma poupança? Ainda não sabia. Não queria viajar, não agora. Percebeu que a idade das viagens e das grandes escolhas é a juventude; e ele não queria parecer ridículo pedindo às aeromoças que controlassem seus remédios do coração e da pressão. Estava escurecendo, e ele não se preocupava em voltar pra casa. E logo na esquina, alguns jovens negociando drogas e um casal namorando de maneira visivelmente exagerada. Estavam tão próximos, mas era como se não se vissem. Eis a desunião que Ernesto sentia na pele. Ao olhar novamente para os jovens e o casal, lembrou-se que há alguns anos, quando ele era mais moço, sexo e drogas eram uma forma de protesto. E então se perguntou: "O mundo não tem mais pelo que lutar?".
E enquanto a pergunta era formulada em sua mente, seu rosto tornou-se decepcionado. A decepção, então, não era unilateral, não se tratava da decepção de suas escolhas, de sua vida, mas a decepção de que o mundo se tornara preguiçoso. Aquela praça que já foi palco de grandes protestos, muitas mortes; aqueles bancos que serviam de reuniões políticas sobre o direcionamento do país e suas conspirações; hoje era apenas... uma praça. Onde foram parar as ideologias? Ernesto se lembra bem, que mais que casar-se e ter filhos, exigia encontrar alguém com os mesmos ideais, com a mesma força e coragem para lutar pelos direitos. E então refletiu sobre estes direitos, os direitos civis, direitos humanos. Ernesto se perdeu na quantidade de leis que custaram morte de tantos para que elas fossem criadas, na quantidade de amigos que viu morrendo e que diziam cheios de orgulho: "Ao menos minha morte valerá alguma coisa no futuro". E calmamente se perguntava se, caso seus amigos estivessem em seu lugar, se estariam arrependidos das batalhas que travaram. Não achava resposta, estava confuso e cansado. Um vento forte bateu em seu rosto, fazendo com que se levantasse. O vento trouxe poeira que entrava rasgando em sua garganta e um nó se criou. Aquela lágrima caindo num rosto sujo e decidido a ir pra casa. Deu seus primeiros passos e bradou: "Era tudo uma utopia, apenas uma... utopia".