Olá! Chega a vez de mais um texto original da Maísa, dos que ela me pediu para publicar. Mais uma vez não havia título, e me encarreguei de nomeá-lo. Escolhi este nome, representando a cidade e a personagem que crescem juntas com o passar dos anos. Com vocês, "Os arranha-céus ao redor de Alice", por Maísa Oliveira:
"Com muita calma e perseverança, ela descia as escadas do maior edifício de sua cidade. Há oito anos atrás, entrava naquele mesmo prédio irradiada de felicidade. Como toda garota sonhadora do interior, seu maior sonho era trabalhar naqueles grandes prédios, cheios de gente e com roupas sociais que enganassem sua ingenuidade. Agora, neste instante, ela saía, talvez de cabeça erguida, mas um pouco confusa.
Segurando a caixinha de papelão, quis chorar, mas segurou as lágrimas com todo sacrifício para que ninguém reparasse sua insatisfação. É certo que ela se superestimava, pois ninguém ali nunca havia reparado nela. Pobre moça de aparelho nos dentes, óculos de grau excessivo e com alguns pertences dentro da caixa de papelão que deveria levar pra casa. Ainda não havia pensado no que significava aquela demissão para sua vida.
Não podia deixar a caixa cair, porque ela significava para Alice que ela saía com mais do que entrou. Nunca havia trabalhado até então, mas conseguiu o tão desejado emprego no prédio mais bonito, e desde que entrara ali, estava há oito anos na mesma função. Por inocência, fora enganada e demitida injustamente, mas era fraca demais pra reclamar qualquer coisa ou tentar provar sua inocência. Preferiu apenas juntar seus livros de romances de banca de jornal que adorava ler. Afinal, sonhava com um príncipe encantado, queria ser levada por um homem bonito de cavalo branco.
Junto com os livros, na caixa, um porta-retrato do seu filho de 5 anos, que ela nem sonhava ter quando começou a trabalhar. Seu objetivo era ser modelo, ou então se casar com o dono do edifício. Mas, felizmente ou infelizmente, meses depois ela descobriu que o dono do edifício estava morto e quem herdara fora sua esposa. Aos poucos e friamente os sonhos de Alice foram se desfazendo.
Seria exagero dizer que ela desanimava, porque nem sequer acreditava. Na verdade, sabia que jamais aconteceria algo do que queria pra sua vida. Ela só queria e sabia que este era o único direito que tinha e a única dádiva que a vida lhe daria. Num súbito, teve a idéia de escrever um livro. Quem sabe? Um livro sobre sua vida. Sim, porque Alice não tinha consciência do quanto sua vida era desinteressante e que ninguém gostaria de ler sobre ela. Logo desistiu. Não por não acreditar no sucesso, porque ela não acreditava mesmo, mas porque estava confusa.
Achava que só havia pensado em escrever porque se lembrou que só começou a ler seus romances após conhecer aquele prédio. Ele era uma espécie de divisor de águas em sua vida. E então, considerou que seria capaz de subir mais algum degrau. Desistiu completamente de voltar a pensar nisso quando se lembrou que estava descendo as escadas e não era capaz de alcançar patamar nenhum, naquele momento.
Chegando à rua, aquela sensação de que estava em coma durante oito anos. De repente, de um dia pro outro, a rua estava repleta de gente, muito mais do que quando ela começara a frequentar este bairro. Os carros eram mais barulhentos e mais numerosos. Ficou estática. O que faria agora? Seu dia estava livre, seu filho na escola, sua vida descomposta. Alguém passou com pressa, a pressa que Alice não tinha; esbarrou na caixa e derrubou todos os pertences em uma poça de água grande. E todos os livros desmanchavam naquela água de chuva toda suja, a foto desbotou no mesmo instante e Alice gritou.
Olhou pros lados e percebeu que ninguém a ouvia. Se fosse um tiro, morreria ali mesmo no meio da calçada e ninguém se importaria.
Ajoelhou-se diante dos livros, pegou a foto do filho e se lembrou do momento da fotografia. Mais adiante avistou uma fita vermelha, escrita: "mamãe, eu te amo" que ganhara de presente da escola do filho. Pegou a fita, levantou-se, decidiu ir pra casa. Não sabia o que faria a partir dali. Aqueles oito anos a ensinaram que ela não tinha nada, absolutamente nada. Teriam ensinado também que ela, na sua condição humana, era um alvo muito fácil; mas Alice ainda não conseguiria entender isso. Ainda ignorante de emoções, ela decidiu simplesmente ir pra casa. No caminho debochou de si mesma, sorriu da sua estupidez e sentira que naquele instante, naquele mesmo instante algo mudava: Alice cresceu."
Crescer é, no fundo, perceber que nada faz sentido...nem mesmo crescer...
ResponderExcluirEu adoro as 'auto-ironias', elas são devastadoras, nos destroem, nos 'humilham', mas existe sempre o lado cômico da verdade, e este lado que nos fazer mudar. É preciso SE machucar, ou SE causar dor... só assim a gente ignora o que não deveria, sequer, ser algo a ser ponderado.
ResponderExcluirEu adorei o final do texto, melhor, as três últimas linhas do texto. Alguns acreditam na ‘beleza-salão-consumo’, ou acredito no ‘sarcasmo-sádico’ de sermos o nosso próprio espelho, e não nos ‘vitimizar’ por pena, mas com ironia. Se formos capazes de debochar de nós mesmos, seremos capazes de não nos dar motivos para, outra vez, rirmos de nós pelos mesmo motivo.