quarta-feira, 22 de abril de 2009

"Ninguém vai me sujeitar a trancar no peito a minha paixão."

Enquanto ela caminhava sozinha pela cidade, pouco reparou por aonde andava; não por tédio ou infelicidade, mas porque ela pensava na vida a levar, nas coisas a fazer, nos sonhos a experimentar. Uma certeza fazia companhia às suas idéias: inovar. Sim, ela queria mudar, provar algum sabor repudiado de desejo pela maioria das pessoas. Uma amiga lhe havia alertado: ‘ quem muita verdade garante, pouco sabe sobre ser feliz: faça as suas escolhas. ’.
Ela pensou ‘pelo quê começar?’, e se lembrou de que em algum momento em sua adolescência ela quisera saber como é passar as mãos nos cabelos de uma mulher, com paixão, ou libido. E resolveu que começaria por ali. E, ao pensar nesse princípio, riu. Soltou um breve sorriso tímido, como se tivesse uma singular vergonha da vontade, afinal, pela idade ela já deveria ser uma mulher resolvida: aos 26 anos não se permite tais dúvidas. Mas ela ignorou a idade, como ignorou o tempo: iria chover.
Passou em frente a uma loja de roupa masculina, e decidiu que queria usar um boné - passara a vida toda ouvindo ‘você possui os cabelos lisos e lindos, uma mulher deve saber agradar aos olhos dos homens. ’-, afinal, ela não queria excitar mente alguma, além da própria. Saiu da loja com o boné tampando parte dos belos e ignorantes cabelos. E, naquela hora, passeou pelas ruas como se ninguém a reparasse. Comprou sorvete, o derramou, sem querer –ou talvez não- na blusa branca. Deu dinheiro ao homem que lhe disse uma verdade dolorida: ‘Ou, Dona, me dá dinheiro pra beber?’. Ela deu o dinheiro, enfim, um pagamento indigno para uma verdade insolente.
Uma mão lhe chama a atenção, ela olha e vê uma criança agarrada à barra de sua calça: ela não gosta de crianças; mas acredita que se uma criança desconhecida sorri para um estranho, este estranho seria uma boa pessoa. Então ela sorri de volta, não para a criança, mas para a crença. Prossegue caminhando aleatoriamente, quando a chuva, antes ignorada, começa a cair. Ela não hesitou momento algum, achou que a rua fosse um baile, e a chuva seu par: dançaram aos olhos dos espectadores. Ela mexia-se, e contorcia-se de frio. Seu corpo acompanhava as gotas d’água que caiam, e ela, de olhos fechados, soube o que era sinestesia: a chuva lhe excitara todo o corpo, visões desordenadas da sua infância, da sua juventude... dos seus pais. De repente ela ‘viu’ seu primeiro amor, um colega de escola; ela gostava do jeito quieto dele. Viu-se em sua formatura, recebendo o diploma –apesar de nunca ter servido para nada além de enfeite na sala de visitas- ela gostava dele, ele era engraçado: representava nada e vitórias. Um grito, então, a desperta, e ela se vê caída no chão. Passa as mãos pela testa e sente o sangue escorrendo, olha em volta e vê muita gente apavorada, gritando, pedindo socorro: ela caíra e batera a cabeça contra o meio-fio, enquanto dançava com a chuva. Ela tenta se mover, e levanta-se e diz aos que se desesperavam “nada de mais, apenas um corte, e, com certeza, uma dor de cabeça.”, ela nunca havia sido, antes, sarcástica, mesmo que tão superficialmente: mas nada era superior ao momento êxtase de sua vida. A descoberta do que se pode, de aceitar desejar o que se deseja: a honestidade no desejo.

3 comentários:

  1. Nossa, estas tantas palavras me fizeram lembrar de tantas coisas! Pensei no que conversamos hoje, e na quantidade de teorias que inventamos ou constatamos no mundo, na vida e nas pessoas. Pensei em alguns ideais, algumas coisas nas quais acredito e que estão escondidas nestas palavras.

    Acho que o momento mais libertador de nossas vidas, é quando descobrimos o que somos, o que queremos e nos sentimos capazes de buscar isso sem a hipocrisia do "não posso".

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  2. O mundo se tornou mais triste quando as pessoas começaram a se sentir envergonhadas por dançar na chuva...

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  3. Descobri que sempre quis dançar na chuva e numca o fiz...ainda dá tempo..tomara que chova!

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