quarta-feira, 1 de abril de 2009

Ernesto e a Revolução

Depois do meu período de "férias", chega a vez da nossa querida Maísa se ausentar da internet por um certo período. Mas eis que ela, extremamente produtiva, deixou comigo alguns textos para que eu publicasse. Este primeiro, que não tinha título ainda, me impressionou bastante. Questionei a respeito do nome do personagem, Ernesto, e ela me jurou que foi escolhido aleatoriamente, sem a intenção de aludir ao Che. Mas achei interessante aproveitar a coincidência para intitular o conto com este emblemático nome. Com vocês, "Ernesto e a Revolução", por Maísa Oliveira:

Sentou-se no canto do banco da praça, cansado daquela caminhada rotineira de tantos anos do trabalho para casa. Devia admitir: não tinha mais o mesmo fôlego, e nos últimos dias ou nos últimos anos, não sabe bem, o tempo tem sido cruel com ele. Ernesto não estava apenas descansando. Aquela praça lhe trazia muitas recordações, muitas lembranças boas e ruins, mas com toda certeza, lembranças cheias de vida. Enquanto observava sem organizar os pensamentos muito bem e com o copo de água mineral na mão, pretendendo matar a sede que secava sua garganta com aquela água deveras gelada, pôs-se a pensar em seu passado, seu futuro e avaliar não só a própria vida, mas a vida em si. Hoje, sua última segunda-feira de trabalho, estava deixando-o perdido. Aquela era sua última semana, e aquilo que todos sonham a vida toda estava prestes a acontecer com ele: usufruir de uma velhice confortável tendo uma boa aposentadoria. Todo seu conhecimento, sua malícia, seu aprendizado; desde as etapas mais simples às mais complicadas, ele havia ensinado ao rapaz trinta anos mais novo que ocuparia o seu lugar. Não entendia bem, mas sentia certa tristeza. Não era apenas por ter que se aposentar, porque avistando do banco mesmo onde estava, já descobriu o que faria dali por diante: palavras cruzadas, revistas de mulheres peladas e as últimas notícias do mundo e do futebol. A praça, que durante tanto tempo havia sido sua companheira e ele nem sequer sabia, agora teriam uma relação madura. Ernesto sabia que muita história havia naquele lugar, e ele não podia ignorar que era exatamente isso que o fazia bem: reviver o tempo em que ele sabia o que queria ser, mas ainda não sabia bem em quem não queria se tornar. Fumando seu cachimbo, puxava na memória e as cenas que presenciava na praça naquele instante o ajudavam a relembrar as diferenças que constatava ao olhar-se no espelho de manhã. Não havia muitas crianças na praça. Só algumas acompanhadas dos pais, comprando balões, algodão doce ou maçã-do-amor. Tudo que permanecia igual ao seu tempo, só servia pra machucar e mostrar que ainda assim tudo era diferente. Reconhecia então que era perigoso demais crianças brincarem na praça como acontecia na sua infância. Lembrou-se das pipas, das bolinhas de gude, das rodinhas de peão. Lembrou-se que nunca se via crianças acompanhadas dos pais e se estivessem, eles as deixavam tão livres que era imperceptível. Olhou para o pequeno shopping, lembrou-se que ali aconteciam as reuniões de poesias todas as sextas-feiras e que no casarão ao lado era a sede do partido comunista.

Enquanto imaginava a revolução, via que logo adiante um banco era construído. Seria uma boa idéia abrir uma poupança? Ainda não sabia. Não queria viajar, não agora. Percebeu que a idade das viagens e das grandes escolhas é a juventude; e ele não queria parecer ridículo pedindo às aeromoças que controlassem seus remédios do coração e da pressão. Estava escurecendo, e ele não se preocupava em voltar pra casa. E logo na esquina, alguns jovens negociando drogas e um casal namorando de maneira visivelmente exagerada. Estavam tão próximos, mas era como se não se vissem. Eis a desunião que Ernesto sentia na pele. Ao olhar novamente para os jovens e o casal, lembrou-se que há alguns anos, quando ele era mais moço, sexo e drogas eram uma forma de protesto. E então se perguntou: "O mundo não tem mais pelo que lutar?".
E enquanto a pergunta era formulada em sua mente, seu rosto tornou-se decepcionado. A decepção, então, não era unilateral, não se tratava da decepção de suas escolhas, de sua vida, mas a decepção de que o mundo se tornara preguiçoso. Aquela praça que já foi palco de grandes protestos, muitas mortes; aqueles bancos que serviam de reuniões políticas sobre o direcionamento do país e suas conspirações; hoje era apenas... uma praça. Onde foram parar as ideologias? Ernesto se lembra bem, que mais que casar-se e ter filhos, exigia encontrar alguém com os mesmos ideais, com a mesma força e coragem para lutar pelos direitos. E então refletiu sobre estes direitos, os direitos civis, direitos humanos. Ernesto se perdeu na quantidade de leis que custaram morte de tantos para que elas fossem criadas, na quantidade de amigos que viu morrendo e que diziam cheios de orgulho: "Ao menos minha morte valerá alguma coisa no futuro". E calmamente se perguntava se, caso seus amigos estivessem em seu lugar, se estariam arrependidos das batalhas que travaram. Não achava resposta, estava confuso e cansado. Um vento forte bateu em seu rosto, fazendo com que se levantasse. O vento trouxe poeira que entrava rasgando em sua garganta e um nó se criou. Aquela lágrima caindo num rosto sujo e decidido a ir pra casa. Deu seus primeiros passos e bradou: "Era tudo uma utopia, apenas uma... utopia".

2 comentários:

  1. Damos determinada importância às batalhas nas diversas fases de vida que temos. Mas, percebo que em algumas delas tendemos a tratar com 'repúdio' o que fora feito na juventude.

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  2. O mais triste das utopias, é que o mundo é tão feio às vezes, tão cruelmente sem sentido, que a gente acaba se envergonhando delas...


    acho que por isso se criaram os bancos de praça...

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