segunda-feira, 30 de março de 2009

"Te peço desculpas, me abraça meu filho."

Ela recebeu uma notícia, uma notícia que poderia arruinar todos os planos não feitos para uma vida, quem sabe, possível. E naquele momento ela odiou tudo quanto existia. Odiou todas as suas amigas, que tinham como problemas notas baixas na faculdade- e ela que nunca conseguira fazer uma faculdade-, ou traição de namorados. Afinal, ela acabara de descobrir que a vida lhe traíra. Sua libido lhe pregara, então, uma peça demente, doentia... Ela estava incrédula. Resolveu caminhar. Tentar dividir com todo e qualquer transeunte o seu atual ódio. Toda a sua ira.

Passando por uma praça -fazia um dia agradável- ela observou os pais que brincavam com seus filhos, os filhos que brincavam com os cachorros, os policiais que caminhavam tranquilamente, e sentiu nojo. Queria gritar, queria dizer que aquilo era errado, que estavam todos cegos. Que se enganavam e enganavam aos filhos. Que escravizavam cachorros e crianças e as chamavam, sem ordem de importância, de meus amores. Sim, para ela a vida estava perdida, ainda que para nascer. Seu estômago embrulhou, ela se contraiu com toda a força de seu ser, segurou o vômito dentro da boca -o vômito era a confirmação da ruína-, e, por fim, fora, outra vez, vencida pelo mesmo algoz. Olhou para o almoço semi-digerido e resolveu que não mais comeria, que não ingeriria alimento que fosse: seria o fim do fim e a volta ao início. E continuou caminhando.
Ela nunca sentira tanta vontade de estar fisicamente sozinha. Queria que Ela fosse apenas Ela e mais ninguém, não queria que nenhum outro alguém estivesse com ela, dentro dela, precisando dela. Sentiu-se novamente enjoada, mas segurou o vômito: ele deveria provar o que amargava em sua garganta. Tudo aquilo era inexplicável e desumano. E perguntava a si mesma -naquela hora ela esquivou-se de Deus- 'Por que eu? Por que eu? O que foi que eu fiz?', e lembrou-se do que havia feito, e lembrou-se que o que ocasionou toda a dor que ela estava sentindo fora querido por ela, tentado por ela: ela era mais que o todo da culpa. De repente, algo mudou, seu coração acelerou... Outra mulher, uma mulher calma e meiga tentava tomar o lugar daquele ‘ela’ ‘fraco’ e ‘cruel’. Ela estava mudando, se transformando... descobrindo outra dela mesma, uma que queria o que estava acontecendo, que desejava aquilo, que via vida e futuro com o motivo de tanto nojo. Lágrimas descompassadas rolaram por seu rosto, sua face se contraia entre risadas e espanto; ela sentiu naquela hora que já não mais era ‘filha’, que, a partir daquelas lágrimas, ela se tornara mãe. Não se arrependeu dos rompantes em romper com o Rebento, apenas sentiu-se confortável com a situação: um filho no ventre aos vinte anos de idade. Um rumo inesperado, mas ela sempre esperou por algo imprevisível, agora era a tradução do seu acaso. E ela tornou-se mãe, não apenas por carregar no ventre uma criança, mas por depois de tê-lo culpado e odiado, vencer o ódio egoísta juvenil, e se superar: agora ela o amava, vencera a si mesma, e era digna de guiar uma criança: suas mãos foram limpas.

3 comentários:

  1. É...me lembrou Hegel, em que é preciso haver primeiro a negação para surgir a síntese de tudo, o algo, o ser em si e para a si...

    tenho medo de mulheres que nunca duvidaram do tal "instinto materno"...aliás, tenho medo de quem não duvida...


    belo, belo texto, minha flor..

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  2. Eu duvido totalmente de tudo que é cego.E a aceitação sem dúvida, seguida de culpa, de tantas coisas pela metade; é a maior utopia e cegueira humana. A sujeira está em esconder o medo, a dúvida, o possível ódio e não em assumir.

    Eu tenho medo dos que "não fazem barulho, não se mexem".

    Lorena, já contei que nunca imagino grávidas daquelas forma bonita, de maternidade, dar a vida, né? hahahahahahahahaha

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  3. Achei este texto ótimo, mas desta vez sou eu que não sei o que dizer...

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