sexta-feira, 27 de março de 2009

Os pólos invertidos*

O rei está nu. E está triste. Cansado. O rei queria ser plebeu. Não sabe o que fazer, não sabe o que pensar. Não tem vontade de baixar decretos, de se deliciar com um banquete, ou de se satisfazer com alguma criada. Não vai declarar guerra a um país vizinho, não vai mandar cobrar taxas extras da população. Um passeio pelo campo, talvez seja disso que ele precisa.


A formiga quer ser cigarra. Cansou-se de carregar grãozinhos de um lado para o outro. Quer sumir. Cantar até explodir, o que parecia tão absurdo, é agora uma idéia aceitável. Mas ela não sabe cantar. Não tem voz. Resolve sair para passear. Escapar da fila de formiguinhas, cada uma com um grãozinho de terra acima da cabeça. E foge. O caminho é um tanto diferente do verde habitual. Bem no alto, quase no topo, a pequena formiga encontra uma grande haste, que no final chega a mais cinco pequenas hastes separadas. Vai até um ponto próximo das hastes menores. É aí que ela sente o cheiro da ameaça.

O rei sente cócegas na mão. Olha para ela e percebe o pequenino inseto se movimentando. Tarde demais para se livrar, sente uma picada.


A formiga não pensa duas vezes antes de cravar as presas no inimigo gigante. No entanto, em uma fração de segundos, percebe uma grande sombra vinda do alto, se aproximando. O tapa é tão forte que a dilacera.

A mão do rei arde. Um fragmento do que foi uma mandíbula está entranhado em sua pele. Ele se senta no chão e chora de dor, pensando na fragilidade do ser humano diante de algumas coisas pequenas da vida.


***
*Nota: tudo bem que não é um texto inédito. Postei anteriormente em outro blog, no ano passado, mas na época ele passou um tanto despercebido, e eu achei que seria uma boa oportunidade de "dar mais uma chance" ao texto. Espero que gostem.

3 comentários:

  1. No nosso peito bate um alvo muito fácil. Por vezes, muitas vezes, não nos damos conta desta fragilidade. Chega a ser surpreendente o quão frágil e forte somos para coisas tão contrárias.

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  2. Bate umm alvo muito frágil, e, por vezes, quando não escravizados pela necessidade de sermos tão iguais, vontades de írmos além do que nos é tão comum e natural.
    Às vezes nos pintamos da nossas conquistas, e nos tornamos menos do que elas: e assim muito nos fazemos, inferiores ao que criamos; e diferente queremos ser.

    Eu penso, muitas vezes a gente quer 'largar a peia' de tanta coisa, mas nosso ego fica sempre martelando 'como assim você abrirá mão disso, afinal, você ralou tanto para conquistar', dai algo que outrora fora sonho, se torna prisão e arrependimento... AI! Os homens.

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  3. Pequenas derrotas às vezes machucam muito...

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