segunda-feira, 2 de março de 2009

A chave do enigma

Como já é de praxe, nossa série sobre um tema específico se encerra com a participação de um convidado. A escolhida desta vez foi nossa companheira da comunidade oficial do blog (sim, temos uma comunidade oficial!), a Lorena, ativa leitora e participante nos comentários. Fiz o convite a ela anteontem, e aí está este texto surpreendente. Acho sinceramente que é uma boa forma de encerrar, mostrando a descoberta do que é o medo e a sua necessidade em determinados momentos. Como ela não deu o título, tomei a liberdade de nomeá-lo, como uma síntese da minha interpretação. Com vocês, "A Chave do Enigma", por Lorena Cicari.

"Hoje eu senti uma sensação estranha, senti que eu queria não conseguir nada. Eu preferi só aceitar o que viesse, e não me esforçar por nada. Minha pouca crença abalada pela voz dela, pelos medos dela. Senti um gosto estranho escorrendo pelo meu rosto, olhei para mim mesma e não me reconheci, não me senti: sim, eu era outra pessoa.
Um tempo atrás eu desejava muito, e por muito tempo. Planejava vôos secretos a lugares públicos, poéticos e infames. Eu sei que li o que não haviam escrito, que eu ouvi aquela música que ninguém tocou: eu era mais uma atriz do que uma filha do Deus. E foi então que eu percebi que a gente faz escolhas que, sabe-se lá, se serão o melhor para nós. Mas por amor ao que nos mantém, supostamente, vivos, continuamos a acariciá-lo noite após noite. Nos deitamos ao seu lado, e nos entregamos. Sentimos seu cheiro suave e sua pele macia. Um sopro terno nos ouvidos... Aquele gemido do prazer que só o medo pode nos oferecer.
Como uma boa intérprete, não pude deixar de criar, e escolhi um novo caminho, uma nova história: outra mentira; foi então que eu consegui compreender o que é o medo, o que ele nos oferece, o quanto excitante é fazer tudo quando se tem medo, e sei que o medo, às vezes, nos permite sondar novos caminhos, novas descobertas. Se não fosse este sentimento, talvez este sentido, nunca faríamos nada. Por amor a ele, ou pelo sentimento inverso, o ódio, é que vivemos. Ou faço por temê-lo, ou por acreditar não trazê-lo sangrado no peito. Mas, aqui, forte como jamais será o amor pelo Homem é que eu faço as descobertas. Tão silencioso e oportuno é sua ajuda. Tão correto, franco e necessário. Oferece-me suas mãos sempre que eu preciso desistir. Meu Demônio, meu Deus: minha misericórdia.
Me senti heróica, dona dos meus fracassos. A culpa da minha culpa, o motivo de ser a Derrota. Ela bradou, então, outra vez a pior das minhas escuridões: ela me exilou, ela me quis fora. Pediu que eu saísse, que eu partisse. Sei que naquele momento ela desejou com toda a força de tudo o que a faz perversa que eu jamais estivesse ali. Que ela, apenas, se lembrasse de mim quando olhasse para uma fotografia. Foi naquele instante que eu me fiz órfã, que eu me abandonei do que eu não puder conquistar. Eu senti o pior do meu medo: medo de ser como ela".

3 comentários:

  1. E de teatro em teatro disfarçamos o óbvio. O medo pode ser um escudo ou um tiro no peito. E lendo seu texto me fiz pensar: e eu de que lado estou? Será que estou do meu lado? Qual medo eu deixo me dominar? É uma pena admitir certas coisas...

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  2. Pô, só eu que não sei escrever bem nesse blog?

    Tô me sentindo humilhado pela humildade excessiva de algum(a)s aí....

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