segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Ainda não tenho a banda que eu quero....


Dos meus pseudo talentos e proto profissões a que eu menos revelo às pessoas é a de compositor. Sim, leitor, eu escrevo (tento) canções. Mas porque não apresento essas pérolas do cancioneiro ao mundo? Primeiro porque não tenho ainda a banda que eu quero, e essa é uma questão muito importante. A formação ficaria mais ou menos assim, dependendo da disponibilidade de cada músico, claro: Humberto Gessinger no baixo e vocal (óbvio), Neil Peart na bateria, James Hetfield na guitarra base, dividindo alguns vocais com o Gessinger, e eu no baixo. Dois baixistas na mesma banda? O sonho é meu não é, então eu ponho quantos baixos eu quiser. Só não decidi quem será o guitarrista solo, mas tô pensando. Curioso é que todos os músicos da banda são ótimos letristas. Isso é muito importante. Numa discussão sobre música cristã há uns dias atrás, em que eu criticava com veemência as letras chatas e repetitivas muito comuns a esse estilo, a resposta que eu mais ouvi foi que letra não importa. Como não importa? Como todos os demais usos da palavra, as letras de música representam não só o que seu autor pensa e sente, mas o que toda uma época vê como importante para ser pensando e sentido. Óbvio que existem vários sentidos pra uma mesma época. Ainda mais nos dias de hoje em que as metanarrativas foram abandonadas e vivemos em um tempo de pluralismo cultural. Mas há sempre um conjunto de sentidos que predomina, ainda que os motivos para isso não sejam unicamente culturais. Isso não quer dizer que os compositores falarão sempre do mesmo assunto, mas explica porque em determinados períodos os letristas tendem a abordar com mais frequência certos temas. Pensando sobre isso podemos analisar as letras dos que formam o comum das bandas de hoje. Novamente entramos no terreno perigoso e preguiçoso das generalizações, mas se preguiça não fosse bom não seria um pecado capital. Pois bem, é de se notar que as letras de grande parte das bandas de hoje falam muito de amor, externalizando sentimentos particulares que pretendem encontrar eco nos sentimentos dos ouvintes. Não há nada de errado com essa atitude a princípio. Primeiro porque todo texto que escrevemos é um texto sobre nós mesmos, não dá pra fugir do que somos. Segundo, o universo temático de um compositor pode ser unidimensional sem que isso seja ruim para o trabalho dele. Todas as letras de Robert Johnson falam sobre a vida e os sentimentos dos negros americanos nas décadas de 20 e 30, e são simplesmente geniais. Na verdade tudo é uma conjunção de fatores. Nossa época é uma época em que as pessoas ganham em exteriodade e perdem em interioridade. Em outras palavras somos o que parecemos ser. Vivemos sempre empurrando um outro, um personagem de nós mesmos nas nossas relações diárias. E como vivemos numa época de exterioridades esse personagem tem uma necessidade enorme de se exteriorizar. E o amor é sempre um ficha certa pra se apostar. Porque é um sentimento que se universaliza com muita facilidade. Desde o momento em que alguns mongezinhos na idade média inventaram o amor romântico como uma saída para a condenação da igreja sobre o sexo (as pessoas precisavam transar pra repovoar a Europa devastada pela peste negra, mas a atitude da igreja era de condenação extrema às práticas sexuais realizadas fora do casamento) todos nós sofremos dele em algum momento de nossa vida. Então escreva uma letra dizendo que ela te deixou que sempre vai ter alguém sofrendo por isso pra cantá-la. Mas há uma questão aqui. A exteriorização massiva desse sentimento gerou um esvaziamento do mesmo. Tantas canções falando de amor, amor isso, amor aquilo, que no final fica chato. Soa falso, vazio. Tudo fica tão universalizado que sentimos falta do particular por trás daquilo, do singular, da pessoa que escreveu a letra. Se me mostrarem uma letra do Nx Zero e outra do Cpm 22 eu nem sei dizer qual banda escreveu o quê. Os sentimentos ficam tão pasteurizados em fórmulas que ninguém mais acredita neles. Onde há amor demais não há amor nenhum. Dizer "eu te amo" não pode ser uma coisa fácil. Da mesma forma, letras religiosas repetem sempre a mesma fórmula, do deus amor, luz, poder, e etc. Como as letras satanistas também o fazem. Como eu disse antes, um letrista pode ter um universo temático bem limitado e ser talentoso ainda assim. Ouvindos os discos da Cidadão Quem isso é facilmente perceptível. As letras do Duca, que em início de carreira foi acusado, injustamente, pelos críticos de ser um ótimo guitarrista mas um letrista mediano, falam muito de saudade. Muito mesmo. Saudades da infância, dos amigos, vivos ou que já se foram. Saudades de casa, de um sonho acerca do mundo, do amanhã colorido que veio, ou que não veio e que talvez nunca venha. Mas o melhor, quando se ouve as canções se sente a saudade. Saudades de uma praia que não se conheceu, de um Jimi que não se chamava Jimi e que também não conhecemos, de um Falcon perdido há muitos anos atrás. Meu Falcon foi abatido em missão, devorado pelo Poddle toy da minha vizinha. Teve um funeral digno de um soldado. Mas mesmo quem não teve um Falcon sente saudades dele. Mas as saudades não são nossas, são do Duca. É aí que está. Numa época em que todo mundo escreve e fala pra universos inteiros, um cara que fala de si, do que viveu, do que sentiu, comprova o que outro gênio nessa arte já cansou de dizer, que nenhuma canção é maior do que a vida de qualquer pessoa. A rua em que ele cresceu, a casa em que morou, os amigos que fez, tão parecidos com nossa rua, nossa casa e nossos amigos é muito maior do que todas as canções de amor incondicional e os "ela me deixou" que ouvimos por todos os lados. Bob Marley, se vivo fosse (que Jah o tenha) ficaria muito feliz, mesmo não conseguindo cantar canções de liberdade, somente canções de redenção. Porque hoje, até redenção é algo raro. Como disse sou um proto compositor. Acabei de escrever uma canção. Acho que é sobre amor, mas não tenho certeza...ainda.

7 comentários:

  1. Adorei a parte de que se preguiça fosse ruim não seria um pecado capital. hahaha

    Bom, eu percebo por suas postagens e alguns textos que temos visões muito parecidas a respeito de música. Mais um texto que eu teria escrito se conseguisse conter minha ansiedade e exteriorizar sentimentos tão claramente.

    Existem solos de guitarra e melodias lindas! Mas é essencial pra felicidade emocional de quem ouve, sentir aquilo que o cara tá cantando. Sentir a dor que teu ídolo sentiu quando falou sobre uma tragédia ou a adrenalina que ele sentiu quando falou da grande descoberta da sua vida. E isso só se consegue com uma coisa: verdade.

    E verdade é algo que, bandas que banalizam temas, sentimentos, seres humanos; não têm.

    E eu sou preconceituosa com esta falta de verdade.

    Odeio rap(como ouvinte), mas o cara tá cantando o que ele viveu? Po, merece todo meu respeito.

    Viver de música é legal e pá, mas viver para a música é divino!

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  2. Eu acho bizarro alguém ligado em música cristã dizer que letra não importa. Há uns tempos senti uma vergonha alheia tremenda ao ouvir uma música, mostrada por um amigo, em que um vocalista cantava "eu sou uma florzinha de Jesus" com voz demoníaca. Enfim, cada um faz da sua vida o que quer, mas há que se ter coerência. Sobre sentir saudades, ainda sinto falta dos meus Playmobil, mas sinto também daquele Forte Apache que eu nunca tive, e que um dia desses, procurando brinquedos para presentear meus sobrinhos, encontrei em uma loja e quase comprei. E sobre o Duca, acho bacana a suavidade com que ele escreve e canta. Lirismo que me lembra Drummond em alguns momentos. E eis minha última constatação: sou melhor comentador do que escritor!

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  3. Melhor crítico que formador de opinião?

    hahaha

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  4. Maísa, o que faz acordada às 11 da madrugada?

    Anyway, nunca imaginei que eu fosse capaz de formar a opinião de algupem mesmo...

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  5. Márcio, por acaso a banda que vc mencionou é essa tristeza aqui: http://www.youtube.com/watch?v=s8f8xhr20Tg

    tem certas coisas que geram uma vergonha alheia imensa...

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  6. "...Numa discussão sobre música cristã há uns dias atrás, em que eu criticava com veemência as letras chatas e repetitivas muito comuns a esse estilo..."

    Ah, Em dezembro eu quase fui agredido por religiosos que não gostaram da minha opinião em relação aos versos brilhantes de um padre-"cantor". Todos mto óbvios..rs

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  7. Eu tb Tento e componho algumas canções, mas tudo que eu tenho é uma guitarra e um violão, mas ainda quero ter uma banda...

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