domingo, 11 de janeiro de 2009

Bom, mais uma madrugada, mais um post. A insônia é uma esposa ciumenta, dessas que não gostam de dividir a gente com ninguém. Se eu estivesse com amigos agora ela provavelmente teria vindo pra casa sozinha e me deixado lá, bocejando de sono. E é uma esposa ingrata também, dessas difíceis de agradar. Não importa quantas noites você passe com ela, ela sempre quer mais uma. Insônia e eu nos conhecemos na infância, eu devia ter uns dez anos, ela já era beeeemmmmm mais vivida, já tinha passado noites e noites com outros, na verdade ela nunca foi muito fiel não. Mas é aquela coisa, a gente nunca escolhe a insônia, ela é que escolhe a gente. E com dez anos eu fui escolhido. De lá pra cá eu e ela vivemos uma tórrida história, repleta de noites em claro, olheiras matinais, livros lidos e relidos e ligações impertinentes de amigos bêbados às quatro da manhã. Passada a crise dos sete anos, nosso casamento deu uma melhorada. Ela se tornou minha companheira de estudos, de xadrez, de textos escritos e descartados, de interpretações filosóficas e antropológicas sobre o mundo. O mundo dos seres notívagos é silencioso e subreptício o suficiente pra nos encher de perguntas irrespondíveis. Somos assaltados pelo assombro morno de uma dúvida a cada instante da madrugada. Dúvidas que muitas vezes se esvaecem com o amanhecer, como se só fizessem sentido sob a gravidade da Lua. No fim das contas você sabe que elas voltarão e acaba não se importando muito quando elas somem. O tédio de uma noite insône nos ensina muito. Ensina demais. Vida e morte são coisas que a gente faz quando está entediado. Um verso do John Cale, da música Fear. Queria muito ter escrito isso eu mesmo, captar uma coisa assim, uma verdade dessas, não é pra comedor de feijão que nem eu. Mas voltando à insônia. No mundo sublunar dos que não dormem (né Maísa?), os sons são outros, os cheiros também. Nossa intimidade com as luzes artificiais é maior do que nosso contato com o Sol. É um perigo para o insône pensar demais. Se ele desenvolve a consciência de que está sozinho com sua esposa infiel, a insônia, é pior ainda. A solidão só é real na escuridão, naquele momento da noite em que somente um carro distante ou o cachorro do vizinho rompem o silêncio. Na hora em que a tv é dos pastores e das atrizes pornô e que as janelas estão todas cerradas por conta do frio ou de um medo mudo. O pior castigo pra um insône é um quarto de hotel de uma cidade distante quando você está a trabalho (como todo trabalho, um trabalho chato) e não há ninguém há quilômetros que se importe contigo. Gosto de road movies, road books, road songs, gosto da estrada, em suma. O clichê de subir num ônibus ou conseguir uma carona com um livro do Kerouack na bagagem sempre me agradou muito. Gosto de fazer playlists de canções de estrada, canções que falem de lugares, de viajar. A metáfora da vida enquanto viagem também é interessante. É uma pena que a maioria das religiões se preocupe muito mais com a chegada do que com a viagem em si. Viagens são ótimas pra que se veja as coisas sob outra perspectiva. Pra que se ponha as certezas em dúvida. Viagens são ótimas pra retirar o bolor do nosso cotidiano acomodado, pra esquecer a voz do chefe, pra sentir saudades dos amigos. Mas não falo do pacote turístico cinco estrelas nem da tour preparada cinco anos antes. Legal é viajar com poucos planos e com pouco dinheiro (tá, com um dinheiro razoável). Por que? Porque é preciso um mínimo de insegurança para que uma viagem seja realmente boa. É preciso duvidar, é preciso ter receio, é preciso tentar. Uma viagem em que trazemos conosco o cotidiano não é viagem, é um deslocar-se vazio no espaço. Na metáfora da vida enquanto viagem isso também vale. É preciso se perder sempre no caminho da viagem. Admitidos como somos, achamos o cotidiano necessário demais para o colocarmos em xeque. Movemos poucas peças, saltamos com os cavalos, talvez, delizamos um ou o outro bispo, mas não mexemos nas torres, nem na Rainha nem no Rei. Não queremos sacrificar os peões, eles representam segurança, um obstáculo contra o avanço inimigo. E esperamos. Esperamos com os olhos no cotidiano. Até que em três movimentos: xeque-mate. Caímos e vemos o quão estúpido fomos em não arriscar no jogo, de não saltar mais longe com os cavalos, de mover torres inteiras com um único ato de vontade. Na estrada xadrez da vida há inúmeros pontos sem retorno, há inúmeras encruzilhadas, milhares de desvios e caminhos perigosos e sensuais como aventuras que não nos contavam na infância. Há inúmeras chances de xeque e ínumeras chances de derrota. Não há o pronto, o certo, o destino, o anti acaso. Tudo é como tudo poderia ter sido. Eu poderia estar dormindo agora, mas a insônia ainda me conta histórias antediluvianas de caminhos, indas e vindas. E eu sorrio pra ela como um companheiro satisfeito, mexendo o cavalo da rainha mais uma vez antes do fim da viagem.

9 comentários:

  1. Uauuuuuuuuuuuuuuuuuuuu!

    Bom, primeiro: vou cobrar por citar meu nome, hahaha. Brincadeira. Como tu sabe que tenho insônia? Tá, resposta óbvia. Olha só a hora que estou comentando seu texto. Ramon, você foi perfeito em descrever a vida de alguém que sofre de insônia, mas pra ter estas percepções (que confesso tb ter), é preciso um pouco de sensibilidade. Sorte a nossa, né?

    Enfim, seu texto está lindo! Algo que eu queria ter escrito! Inclusive, algo que concordo de cabo a rabo. Seu maior talento é inspirar. Assim como no texto da marmita, me senti inspirada por este a escrever sobre a solidão, assim como tu citou a insônia. Acho que o farei num próximo post.

    Você e o Márcio estão ótimos! Estou muito orgulhosa de poder estar aqui, aprendendo com vcs!

    Me dá um abraço?!

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  2. Onde é que eu assino? Começo a perceber o quanto foi bom ter convidado vocês a criar este espaço. Estamos todos aprendendo, dia após dia. É bem comum eu me despedir de alguém, dizendo "tô caindo de sono", desligar tudo, ir para a cama e... não conseguir dormir! E o lance de viajar com poucos planos foi bacana, realmente é assim (pelo menos para mim). Tava pensando em passear pelas cidades históricas daí, mas acho que não vai rolar. Abraços!

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  3. Tá abraçada Maísa, só que eu sempre tiro casquinha hein??? rsrs (daqui a pouco a Mah aparece pra me chamar de tarado)...
    Pra mim o blog tem sido uma experiência maravilhosa, tô muito admirado e feliz com tudo que tenho lido e escrito aqui. Numa época em que todo mundo acha que pode universalizar e externalizar suas experiências é muito bom estar junto de pessoas que sabem fazer isso...
    não é escrever, é viver...

    P.S, Márcio, quando quiser fazer a tour pelas cidades históricas me avisa, conheço um monte de gente e um monte de manhas pra que saia bem legal e bem barato...

    abraços...

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  4. Cara, parabéns! Esses é um daqueles textos que você vai lendo e pensando "puxa, é assim mesmo". A insônia já rendeu algumas coisas para mim também. Não lí ainda as outras postagens, mas já adicionei "seus" blog para acompanhar depois.

    Abraços
    Mateus h.

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  5. não tenho mais 'insônia'! 'Tive' durante toda a minha infância e 'pré-adolescência'. Entretando preferiria que minha vida fosse mais noturna! rs

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  6. Ótimmo texto. E como disseram aí, você vai lendo e lembrando que acontece contigo, apesar de acontecer comigo só a partir de novembro/dezembro de 2008...

    Mas o que eu realmente queria falar é na oportunidade de ver a diferença no estilo de escrever de cada um. Nesse texto o Ramon a partir de um tema central, dá voltas e mais voltas em torno dele, no final tudo se junta formando denovo a idéia inicial. Parabéns!

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  7. Ramon, perfeito o texto, muito bom mesmo. Estou puto de não ser feliz sem dormir 9 horas por noite.
    Cara, esse blog está ótimo, mais uma iniciativa louvável do Prof. Mapa.
    Abração cheio de saudade, Fernando Schettini

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  8. "Estou puto de não ser feliz sem dormir 9 horas por noite." [2]

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  9. Abração também meu amigo Schetinni, saudades docê cara...ó, e agora eu tô estudando xadrez com o mínimo de seriedade, não vai me derrotar mais tão fácil não hein?

    Abração

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