sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Dúvidas nascidas a partir de um jogo...


Quando a idéia desse recipiente coletivo de idéias petulantes, por vezes imaturas, por vezes maduras e no mais das vezes maturadas surgiu, a pretensão era criar um espaço para que três pessoas pudessem dividir suas impressões e visões sobre o mundo. Acho que está dando certo até agora porque não temos ambições muito maiores do que dividir certos horizontes com os outros, e, obviamente, dominar o mundo no processo (rsrs). Mas o fato é que a repercussão desses pequenos textos tem nos deixado muito felizes. A mim particularmente. Uma dessas repercussões se solidificou em um outro texto. Um grande amigo meu, o Professor Fernando Gomes Schettini, inspirado pelas peças de xadrez de meu post sobre insônia, me enviou um texto tão bom que seria muito egoísmo da minha parte não colocá-lo aqui. Fico muito honrado e feliz com isso, porque o Prof. Fernando e eu já travamos uma amistosa competição proto literária, que não sabemos quem ganhou, mas que rendeu não só cômicas e interessantes linhas, mas cimentou uma amizade já muito sólida e muito forte. Cumpade, brigado pelo texto, sei que não dá pra explicar uma piada aqui, mas posso te garantir que ficou um presépio (rsrsrs) Abração.


DÚVIDAS NASCIDAS A PARTIR DE UM JOGO


Sou também, assim como o Prof. Ramon, um empurrador de madeira. Empurro mal, mas empurro. Antes, porém, que me julguem um pervertido, ou pensem que eu entrei no blog errado, esclareço que empurrador de madeira é a maneira como chamam aqueles que jogam xadrez sofrivelmente, sem o mínimo domínio das partidas clássicas, das aberturas tradicionais e suas variantes. Jogo xadrez apenas por achá-lo um jogo intrigante, não somente pela lógica e raciocínio que devemos empregar durante uma partida, mas também por ser um jogo extremamente formoso. Quando via na TV pessoas jogando xadrez, ficava intrigado com a forma das peças que sequer sabia o nome e questionava-me sobre suas competências e atribuições, etc. Diante desse mistério, resolvi que compraria um tabuleiro de xadrez. O critério de escolha não foi a beleza das peças ou o tamanho do tabuleiro, mas a grossura do manual de instruções: um que trouxesse o máximo de informações sobre o jogo. Com um tabuleirinho pequeno com peças minúsculas e um manual não tão fino, comecei aprender a jogar xadrez. Com a leitura do manual pude perceber que cada peça, excetuando os reis e peões, trazia estampada em si a sua personalidade, o signo de seu movimento de seu destino no tabuleiro: as torres possuem quatro muradas, indicando as quatro direções que podem se movimentar pelas linhas verticais e horizontais do tabuleiro; os cavalos, que andam fazendo cabriolas semelhantes a um L maiúsculo, trazem um ângulo no encaixe do pescoço com a cabeça, formato que insinua a curva de seu movimento; os bispos usam uma mitra com um corte diagonal; e as damas ou rainhas não dispensam suas coroas de oito pontas, cada uma delas indicando uma das oito direções nas quais podem se movimentar. Interessante é que essas formas correspondendo às competências tiveram um efeito estranho sobre mim: toda vez que tirava as peças do saquinho para jogar, via em cada uma delas a personagem cavaleiro, peão, rei, como se cada um daqueles pequenos totenzinhos trouxesse em seu interior o seu poder, sua natureza, seu movimento, sendo bem mais que baratos objetos feitos, ou melhor, mal feitos, de plástico injetado. Demorei a perceber que o movimento das peças não lhes era natural, não havia nascido com elas, mas lhes era externo, atribuído por quem as movimentasse. Enfim, o movimento não estava contido nas peças, mas nascia, em todos os sentidos, mediatamente ou imediatamente, do homem. Essa confusão promovida pelo xadrez levou-me a questionar: O que é natural e o que é criação humana nesse mundo? Será que tudo aquilo que atribuímos valor tem realmente o valor que lhe é atribuído? Será que esses valores não são postos e repetidos à exaustão para que, enfim, passem por naturais? E se falso esses valores, será que beneficiam alguém ou algum grupo? Lembro-me da entrevista de um grande publicitário, se afirmasse que foi o Washington Olivetto correria o risco de errar, o qual disse que o profissional da propaganda deve ter em vista que a última utilidade de um automóvel seria carregar pessoas, que um carro serviria para vencer complexos, abrir portas, dar status, preencher vazios, curar depressão, etc. Na verdade, para alguns, um carro serve até mostrar o quanto uma pessoa é melhor que as demais. Mas que carro é essencialmente para carregar pessoas, isso é, e ninguém vai me provar o contrário! O fato é que se criam representações sobre tudo: coisas, comportamentos, idéias, pessoas, cargos, funções, regras, leis e tudo quanto há. Constata-se, pois, uma necessidade: questionar, medir, saber quanto vale. Questione o valor, a substância, o que contém, a quem interessa o cargo público que ocupa, o automóvel que pretende comprar, o par de sapatos, sua mulher, seu namorado, o direito de propriedade, o idéia de amor, um prato de comida, um cafezinho, o seu contracheque, a crise, as falas de seus pais, uma moringa d’água, a campanha antipirataria de CD’s, o valor do salário mínimo, o sucesso do padre Fábio, as infinitas e enfadonhas possibilidades de consumo, a notícia no jornal, um velho episódio do Pica-Pau, os super iates, as fotos do Salgado, drogas com e sem CNPJ, questione esse texto, esse blog, e a pretensa necessidade de questionar e, se sobrar tempo, questione a forma e o conteúdo de sua vida... Será que dá para dormir em paz sem drágeas ou, pelo menos, uns chopes gelados?


Fernando Gomes Schettini.

2 comentários:

  1. Os valores tornam os homens escravos de uma busca: conquistar o direito de estar dentro de um valor dado pelo próprio.
    Valores que nos obrigamos a acreditar. E os usamos para nos 'agruparmos' e para nos afastarmos daqueles que não se encaixam na importância que damos às coisas. O que é cômico. As pessoas atribuem valor a alguma coisa, para que esta depois possa valorizar a pessoa! Estamos valendo o que a moda vale! UM BRINDE À ÉPOCA DA ETIQUETA!


    'Na verdade, quem pouco possui tanto menos é possuído.'

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  2. Muito legal que o teXto tenha vindo de encontro com nossa proposta de falar sobre forma e conteúdo!

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